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Do amor em tempo de guerras

Artigo escrito por Edgard Steffen

15 de Maio de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Decreto assinado pelo presidente Juscelino Kubitschek,
aos 12/05/1960, instituiu a Semana da Enfermagem no Brasil

O artigo 1º tem a seguinte redação: “Fica instituída a Semana da Enfermagem, a ser celebrada anualmente, de 12 a 20 de maio, datas nas quais ocorreram, respectivamente, em 1820 e 1880, o nascimento de Florence Nightingale e o falecimento de Ana Neri.”

Decreto anterior (2.956/1938) do ditador Getúlio Vargas já instituíra o 12 de maio Dia Nacional da Enfermagem, em consonância com a data internacional. O Democrata JK, bem ao seu estilo, exagerou e instituiu uma semana de nove dias. Fez bem. Sete dias seriam pouco para abrigar os desdobramentos da nobilíssima profissão. Para os leigos e até para médicos desavisados apareceu vestida(o) de branco é enfermeiro(a). Na primeira metade do Século 20, pouquíssimos eram os profissionais com formação em escolas de enfermagem. Hospitais e santas casas espalhadas pelo nosso imenso País eram campo de trabalho para as ordens religiosas e para humildes cidadãos vocacionados a aliviar o sofrimento alheio. Hoje, enfermeiras(os) formados(as) em universidades administram equipes e padronizam procedimentos ambulatoriais e hospitalares dividem o campo com auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalham próximos aos leitos dos pacientes.

Florence Nightingale, dama inglesa nascida em Florença (Itália), é considerada a criadora da primeira escola para formação de enfermeiras e a pioneira na concepção da enfermagem como arte que requer treinamento organizado, prático e científico. Lady vitoriana, rica e culta (talentosa em matemática, falava oito línguas) abandonou o conforto do lar, acompanhada de 38 enfermeiras voluntárias e 15 freiras, partiu para a Guerra da Crimeia (1854 a 1856). Como enfermeira-chefe do exército britânico sediado na Turquia, organizou a atenção aos pacientes no hospital de campanha. Ações metódicas voltadas à ordem, vestuário, alimentação e limpeza fizeram despencar, de 42,7% para 2,2%, a mortalidade dos feridos.

Ana Neri, heroína brasileira, é homenageada por sua atuação na Guerra do Paraguai. Viúva de um oficial da Marinha, ofereceu-se como enfermeira voluntária após ver o filho, os irmãos e sobrinhos partirem para a guerra. O corpo de saúde do Exército era precário. Com ajuda de poucas freiras vicentinas, organizou o atendimento aos soldados no hospital em Corrientes. Na conquistada Assunção, na própria casa onde morava, organizou enfermaria limpa e exemplar onde trabalhou até o fim do conflito.

As personalidades símbolos da profissão foram plasmadas durante guerras. Quem interage com serviços de enfermagem percebe características herdadas dessa origem: senso de organização, hierarquia e rígida disciplina. Atributos que precisam ser mantidos no interesse da eficiência, na segurança e no conforto dos pacientes.

Mas há um viés religioso inerente à enfermagem. Rígida, quase despótica, miss Nightingale reconhece a fé como elemento vocacionador à profissão. Dela as palavras: “A religião genuína deve manifestar-se pelo cuidado ativo e no amor ao próximo”.

A pandemia de Covid19 assombra. Mata mais que as guerras. Combatentes de maior risco são aqueles que trabalham mais perto do inimigo. Nesta conflagração o inimigo é submicroscópico, invisível. Um descuido, um acidente ou falha no equipamento de proteção individual pode contaminar os que estão na primeira linha. O Brasil perde por Covid um profissional de saúde a cada 19 horas (551 médicos e 646 enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, segundo os respectivos conselhos federais).

Além do cuidado ativo, encanta-nos ver o amor ao próximo expresso nas mil formas que esse pequeno grande exército encontra para levantar o ânimo dos assistidos. Seja aplaudindo-os na alta. Seja pelo jeitinho (ou jeitão) para que pacientes vejam seus entes queridos. Seja entregando mimos e mensagens estimuladoras. Seja orando por eles.

Por tudo isso não mereceriam uma semana de nove dias. Mereceriam mais. Muito mais.

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra. E-mail: [email protected]