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Biden na quebra da licença compulsória das vacinas

Artigo escrito por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

13 de Maio de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro.
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro (Crédito: ARQUIVO PESSOAL)

A decisão do presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Joe Biden sobre a quebra da licença compulsória de vacinas contra a Covid-19, conhecida popularmente como quebra de patentes, foi amplamente noticiada por várias razões. A decisão é compreensível em um governo democrata que defende o multilateralismo, demonstrado em seu apoio à proposta da Índia e África do Sul na Organização Mundial de Comércio (OMC). A ideia é promover a transferência de tecnologia, de modo a facilitar a produção de vacinas em Estados em desenvolvimento.

A decisão também gerou opiniões contrárias, sendo um dos argumentos o fato de empresas investirem aportes significativos em pesquisas para a inovação, e a quebra da licença compulsória desmotivar esse investimento, inclusive para fins futuros. A US Chamber of Commerce, ou seja, a Câmara de Comércio dos EUA pondera que a medida pode dificultar a luta global contra a Covid-19. Em recente comunicado, a Câmara destaca que essa quebra de patentes pode ocasionar em uma desaceleração da fabricação global, pois são vacinas complexas e difíceis. Há um posicionamento de um trabalho em maior proximidade com o setor empresarial, justamente pela promessa do presidente em tornar os EUA um arsenal de vacinas.

O convencimento no âmbito da OMC com seus 164 membros tampouco será fácil. A União Europeia (UE) é um dos membros que integram a organização como bloco. Em primeiro lugar, há uma grande diferença de nível de desenvolvimento entre os Estados partes. Em segundo lugar, uma série de temas como comércio, serviços, e-commerce, propriedade intelectual, entre outros, que afetam o comércio em escala global. Em terceiro, vale um resumo do preâmbulo do Tratado de Marraqueche (originou a OMC) aborda o equilíbrio da promoção de inovação e da difusão de transferência e tecnologia em consonância com os objetivos de desenvolvimento econômico.

No entanto, o Acordo Internacional de Propriedade Intelectual (TRIPs) demonstra uma tendência de maior proteção dos detentores de direitos de propriedade intelectual, reforçando os direitos desse titular. Ainda que seja importante recordar que Brasil, Índia e outros países em desenvolvimento exerceram importante função ao conseguirem negociar no início da Rodada Uruguai patamares que atendiam melhor a realidade de nações em desenvolvimento. Na época, os países desenvolvidos pretendiam que houvesse uma maior proteção para a propriedade intelectual do que fora negociado no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (na sigla em inglês GATT).

O debate deve ser dimensionado sob a perspectiva das Organizações Internacionais (OIs), pois as discussões irão ocorrer na OMC, sendo a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) importante fornecedora de know-how para o embasamento técnico da OMC. Nesse contexto, há que se compreender o arcabouço jurídico das OIs, porque é nesse âmbito onde se dará o grande debate. A importância das OIs como sujeitos de Direito Internacional Público deve ser compreendida à luz dos tratados internacionais. No modelo anglo-saxão se utiliza International Law para se referir ao Direito Internacional Público, sendo o Direito Internacional Privado chamado de Conflict of Laws, ou seja, regulamenta o conflito de leis que apresentam elementos de conexão com mais de um ordenamento jurídico. Nesse sentido ao mencionar sobre a OMC, pode-se compreendê-la desde a perspectiva do Direitos das Organizações Internacionais sob a égide do Direito Internacional Público. A Convenção de Viena de 1986, é o tratado internacional que regulamento sobre o direito dos tratados entre Estados e OIs ou entre OIs. Embora não tenha quórum de ratificação, isso não impede que as OIs celebrem tratados pelo direito consuetudinário. A discussão começa a partir de um entendimento que vai além do Estado-nação para entender a dimensão da decisão.

Dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro é professora na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.