Legado italiano: o empresário, o padre e os imigrantes
Artigo escrito por Vanderlei Testa
Sorocaba tem na sua história milhares de italianos e alguns que se destacaram mundialmente pela vida construída no País e na cidade. Francisco Matarazzo é um deles. A sua fábrica de banha em Sorocaba acabou por levá-lo com sua família a saltos altos na industrialização nacional em grandes empresas. As Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo chegaram a ter bancos, edifícios, hospitais, destilaria de petróleo, navios e uma infinidade de imóveis. Foram 365 fábricas no Brasil.
Outro destaque é a família italiana do alfaiate Graciano Cangro, pai do monsenhor Francisco Antônio Cangro, saudoso “padre Chiquinho”. Ele foi o vigário-geral da Arquidiocese de Sorocaba e pároco da Igreja Catedral Nossa Senhora da Ponte em um período de 25 anos de atividades pastorais entre 1934 a 1958. Considerado naquela época como “um braço direito” de dom José Carlos de Aguirre, primeiro bispo da Diocese, o padre Chiquinho assumiu anteriormente como primeiro vigário da Igreja do Bom Jesus, na Vila Hortência. Seus pais, Graciano e Carmela Verlangieri Cangro, moravam na rua 13 de Maio, no centro de Sorocaba. A descendência de italianos do padre Chiquinho o destaca em uma família tradicional na cidade. Núncia Cangro Marques é avó de Maria Lúcia e Maria Célia (falecidas) e Maria Olinda, Maria Ligia e Paulo Francisco Mendes. Eles são filhos de Jorge e de Célia Cangro. Recordando de sua infância junto ao tio padre, Paulo me contou que quando monsenhor Francisco Cangro faleceu a família recebeu um pedido de dom Aguirre. Era para que no seu túmulo, no Cemitério da Saudade, fosse escrito em placa o trecho do Evangelho de São João: “Era uma lâmpada ardente e luminosa”. Padre Chiquinho faleceu em março de 1961, aos 62 anos de idade.
Em 8 de dezembro de 1954, o padre Chiquinho participou na inauguração do Seminário de São Carlos Borromeu. Ele foi convidado por dom Aguirre a fazer o discurso oficial. Foi um fato histórico o pronunciamento do monsenhor Francisco Cangro, ao citar as virtudes mais importantes do Ministério Sacerdotal: “Todo êxito no ministério sacerdotal se explica pela oração, e sem este os mais retumbantes triunfos não passam de ilusões que enganam por algum tempo, mas nada produzem para a eternidade”.
Assistir o documentário “Legado Italiano”, disponível em canais de conteúdo digital me fez viajar no tempo. Como neto de italianos por parte de pai e mãe e com uma filha e neta que já conquistaram o passaporte de cidadania italiana, me senti personagem do vídeo. A história desse legado com interface da Itália desde 1885 até os dias atuais na região do Rio Grande do Sul é pura emoção. Imagino que se tivessem entrevistado pessoas italianas do Estado de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, então o documentário seria excepcional.
As imagens do povo italiano, imigrantes com suas famílias abandonando suas terras empobrecidas e em busca de oportunidades de terras férteis no Brasil toca o nosso coração. Vi ali os meus avós, com suas maletas e sonhos embarcando naqueles navios superlotados. A identificação do sangue italiano dos nossos antepassados com o povo brasileiro que os acolheu é sinal de uma fraternidade que deu certo até hoje. Deu certo porque continua o crescimento de vários Estados, como o sul do País com suas vinícolas e indústrias graças à raça e ao suor de milhares de imigrantes italianos.
O documentário enxertado com cenas originais em filmes antigos do final dos anos de 1880 e começo de 1900, mexe com sentimentos e nos levam a gotejar os olhos de emoção.
Parecem tão distante estes 145 anos do começo da imigração. Mas, como num piscar de olhos, ouvindo dezenas de depoimentos dos antigos italianos e suas gerações, me senti num túnel do tempo. E fui buscar em Giuseppe e Victória, avós por parte de pai e Rosa e Ferrúcio, avós por parte de mãe, as sementes da minha descendência.
O legado italiano é como a polenta produzida com o manejo das mãos na colher de madeira em panela de ferro. Tem sabor e a magia amarela do milho triturado em farinha. Nos cantos do folclore e nas pisadas dos grãos de uva vermelhas para serem transformadas em vinhos saborosos, há a metamorfose de uma iguaria milenar que vem das festas romanas e da primeira missa quando Jesus elevou o cálice de vinho.
Ver os parreirais sendo cultivadas cacho por cacho de uva em manuseio artesanal por pais e filhos, gerações de italianos com os seus sotaques dos dialetos de suas descendências, arranca no fundo da alma a vontade de gritar “Tutti buona gente”.
Pensar que na época da segunda guerra mundial, em 1940, o presidente Getúlio Vargas declarou em decreto a proibição do uso do idioma e dialetos italianos por esse povo trabalhador no Brasil, me fez pensar na dor que sentiram em se calarem. Os filhos, hoje com mais de 70 anos, relataram o sofrimento dos pais que não sabiam falar o português. Eram punidos sem entenderem essa decisão de poder das autoridades.
Ver a fé dos imigrantes no início do século caminhando nas estradas de terra do Sul do País com a imagem de Nossa Senhora do Caravaggio é um testemunho de fé do crescimento católico dos italianos no Brasil. Com dignidade e a simplicidade forjaram na humildade o tripé do amor. Esse amor de pais e filhos os leitores poderão sentir ao viajarem assistindo o documentário produzido com o realismo dos fatos reais. Faço parte de um grupo de imigrantes italianos. Já visitei a Itália. Andei pelas regiões dos meus antepassados. De Roma ao Veneto ou de Cadoneghe a outros extremos de terras italianas o mesmo pulsar de emoções a cada segundo ia acontecendo ao contemplar as paisagens dos lugares. Estamos vivendo os 145 anos da imigração italiana no Brasil e nada melhor do que reviver este momento da cultura ítalo-brasileira.
Vanderlei Testa é jornalista e publicitário. Escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul. E-mail: [email protected]