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O que é orar?

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

09 de Maio de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Julio Endi Akamine
Dom Julio Endi Akamine (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

Poderia ter perguntado: o que é oração? Preferi o verbo em vez do substantivo porque mais importante do que saber sobre a oração é rezar, suplicar, adorar, contemplar. Uma coisa é ter conhecimento teórico, outra é ter a prática da oração. Por isso gostaria de juntar ao verbo “orar” quatro outros verbos.

1. Orar é respirar. Essa ligação entre rezar e respirar revela como é insensata a pergunta: por que rezar? É o mesmo que perguntar: por que eu devo respirar? Pela simples razão: porque se não respirar, eu morro.

Assim é a oração: “Com a oração recebemos o oxigênio para respirar. Com os sacramentos, nós nos nutrimos. Mas, antes de nos nutrir, é preciso respirar, e a respiração é a oração” (Yves Congar).

A pessoa que reduz a oração ao mínimo, se asfixia. Se ela exclui a invocação e a súplica, lentamente se estrangula, se vive em um ambiente onde o ar é viciado e poluído, a existência inteira definha. Um sábio bispo disse que “Quem não reza vira bicho”. Sem rezar nós nos embrutecemos. A oração tem necessidade de uma atmosfera pura, livre das distrações externas, revestida de silêncio.

É preciso que procuremos reencontrar a espontaneidade e a constância do respiro da oração explícita e implícita. Quem tem fé e ama não reserva somente o mínimo de tempo para a oração, mas faz da oração a respiração constante da sua vida e da sua existência.

2. Orar é pensar. A oração não é mera emoção. Ela deve envolver a razão e a vontade, a reflexão e a paixão, a verdade e a ação. Santo Tomás considera “a oração como um ato da razão que aplica o desejo da vontade naquele que não está sob o nosso poder, mas é superior a nós, ou seja, Deus”.

A figura de Maria, descrita pelo Evangelho segundo Lucas (2,19), é um exemplo de alguém que reza-pensa. Ela guardava as palavras e os eventos vividos no seu coração (na sua mente e consciência) e neles meditava. Esse é o verdadeiro pensar segundo Deus que é também oração.

É cada vez mais urgente para a vida cristã fazer do pensar oração e da oração o pensar segundo Deus.

3. Orar é lutar. A cena da luta de Jacó no Vau do Jaboc (Gn 32,23-33) é paradigma da oração como luta. Jacó luta com o Ser misterioso que, no fim, permanece misterioso, mas que é forte para mudar o nome de Jacó para Israel, mudando-lhe a vida e a missão. É também o Ser misterioso que golpeia no corpo de Jacó, deslocando a sua articulação do fêmur e ferindo-o na existência. Por fim, é esse Ser misterioso que abençoa Jacó.

É importante prestar atenção ao tom misterioso do texto e deixar-se impressionar pelos silêncios. O personagem contra quem ele luta tem forma humana, tem voz humana e tem a solidez de alguém. Mas ele não se identifica. Os dois lutam; um vence, mas sai dessa luta marcado para sempre. Os dois perguntam “Qual é o teu nome?” (27 e 29). Um diz e tem o seu nome mudado; o outro não diz o seu nome, mas abençoa. A luta começa na escuridão da noite, avança pela aurora e termina quando já é dia. Muita coisa do relato não é clara. De fato, o relato é misterioso, porque o próprio encontro é misterioso: é o encontro com Deus.

A oração é luta porque o encontro com Deus é encontro com o Mistério que se revela velando-se. A mudança de nome para “Israel” indica que o destino de todo homem é lutar com Deus, ou seja, orar. No relato, é o próprio Deus que provoca o orante para a luta, para a busca insatisfeita, para o esforço tenaz, para, no final, abençoá-lo.

Na oração nós lutamos pelo Nome de Deus, o autêntico Nome, que não é gasto nem esvaziado pelo uso e abuso do homem. A oração é uma luta pelo Nome que, de alguma forma, é revelado e ao mesmo tempo não nos é dado. Mas o fato de ter ouvido a sua voz, de ter sentido o seu contato, que nos marca para o resto da vida, já é descoberta maravilhosa de Sua presença em nossa vida. Saímos da luta mancando: somos pobres peregrinos que vamos mancando rumo à Salvação.

4. Orar é amar. Amar é a meta suprema da oração e da fé. Na fé cristã, a intimidade com Deus tem forma de amor filial. A invocação que o Espírito suscita em nós “Abbá” é marca distintiva da oração cristã. Deus não é o Deus distante do qual falamos, mas ao qual falamos em um diálogo no qual os olhares se cruzam.

A meta da oração é a de que a oração se torne olhar e silêncio. É a mesma experiência dos enamorados que, depois de tudo falar, se olham nos olhos. Orar alcança nesse momento a linguagem mais intensa e doce, mais verdadeira e íntima do silêncio e do olhar.

“Eu levanto os meus olhos para vós, que habitais nos altos céus. Como os olhos dos escravos estão fitos nas mãos do seu senhor, como os olhos das escravas estão fitos nas mãos de sua senhora, assim os nossos olhos, no Senhor, até de nós ter piedade” (Sl 122/123,1-2).

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.