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Pra não dizer que não falei de mães, recorto e colo

Artigo escrito por Edgard Steffen

08 de Maio de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
"MÃE COM FILHO À BEIRA MAR" - PABLO PICASSO - 1921 (Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

09 de maio é o Dia das Mães, 2021

Sou do tempo em que a mãe da gente fazia “que nem” a mãe de Manoel de Barros. Conta o poeta, mato-grossense pós-moderno, “No fim da tarde / Nossa mãe aparecia no fundo do quintal. / Meus filhos, o dia já envelheceu; / entrem pra dentro.”

Nossas genitoras tinham vida parecida com a da Cora Coralina: “Que pretendes, mulher? / Independência, igualdade de condiçõesà / Emprego fora do lar? / És superior àqueles que procuras imitar. / Tens o dom divino de ser mãe. / Em ti está presente a humanidade.”

Eram sábias como Adélia Prado. “Minha mãe achava estudo a coisa mais fina nesse mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.” Difícil discordar da filha.

Sentimento “coisa mais fina” acolhia os medos de Vinícius de Moraes. “Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo. / Tenho medo da vida, minha mãe, / Canta a doce cantiga que cantavas / Quando eu corria doido ao teu regaço. / Afugenta este espaço que me prende / Afugenta o infinito que me chama. / Que eu estou com muito medo, minha mãe.”

Sentimento piedoso vicariante, como o da telefonista num hospital de Londrina (PR). Nem sei se tinha filhos. Percebeu que o menino tristonho, prolongadamente internado no quarto 8, ficava mais triste após a visita mensal da mãe. No lugarejo de onde viera não havia telefones. No cair da noite, o garoto começou a receber telefonemas. A voz dizia que o amava, que rezava por sua recuperação, que deveria se empenhar no tratamento e na alimentação, que esperavam sua alta para buscá-loà Como o menino nunca havia falado ao telefone, acreditou ser a voz de sua mãe. Passava o dia em alegre ansiedade, no aguardo do chamado. Reconfortado, dormia plácido e tranquilo, na certeza de que era amado, tanto por aquela gente vestida de branco como pela genitora.

Neste mundo de muitas imagens e muita pestilência, quantos filhos choram sua mãe. Pior, quantas mães pranteiam filhos abatidos pelo coronavírus. Aterroriza-nos foto de cemitério. Renques de retângulos escuros são covas a espera de preenchimento; lembram embocadura de gaita-de-boca. Vivo fosse, Augusto dos Anjos versejaria sobre os ventos da noite erma soprando acordes na execução de funérea melodia. Assustador.

Fica difícil comemorar o Dia das Mães num contexto em que um inocente de cinco anos perdeu a vida, talvez seviciado por padrasto parceiro de mãe omissa. Difícil festejar enquanto, na pequena Saudades (SC), mães em choro convulsivo sepultam inocentes vítimas de insano monstro.

Penoso celebrar enquanto Ana Lúcia Amaral chora. Não é a genitora mais famosa deste País em transe. Em sua vida de quase anonimato, ela chora a perda de dona Hermínia -- icônica mãe brasileira na década -- engraçada personagem criada pelo talento de seu filho Paulo Gustavo. Viveu apenas 42 anos. Com Ana Lúcia, os lamentos de milhares de mulheres que reconhecem pedaços de Hermínia em suas afetivas vidas familiais.

“Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho / E ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho”. Assim Carlos Drummond de Andrade definiu o perenal amor materno.

O grão de milho que escreve estas linhas -- gosta de escrever sobre o passado mas não estima saudosismos; os bons tempos são o hoje -- tem o direito de sentir saudades de sua mãe. Na retórica e na poética, Drummond tem razão. A figura materna permanece com os filhos, do nascimento ao descanso final.

À espera do aviso de que o tempo envelheceu e vai chegando a hora de recolher, encerro esta colagem desejando às que trazem o Sentimento Maternal e a Humanidade dentro de si, um Feliz Dia das Mães.

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra. E-mail: [email protected]