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Filmes da Netflix: "O mediador" (parte 3 de 3)

Artigo escrito por Nildo Benedetti

07 de Maio de 2021 às 00:01
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Carlos (Raúl Arévalo) é uma espécie Daniel Ellsberg espanhol.
Carlos (Raúl Arévalo) é uma espécie Daniel Ellsberg espanhol. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

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Nos dois artigos anteriores escrevi sobre uns poucos tópicos para compreender, ainda que superficialmente, o que o filme nos diz sobre a disputa entre China e Estados Unidos. O assunto é de extrema complexidade, com táticas e estratégias interconectadas, de interesses conflitantes ou convergentes etc. Mas, sua importância é inegável, porque o que acontece na África com respeito àquela disputa entre os dois países pode dar indicações do que ocorre ou poderá vir a ocorrer no resto do mundo.

Para manter essa disputa dentro de limites da racionalidade e evitar que a humanidade recaia em catástrofes similares às provocadas pela Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, é fundamental a mediação de órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas, a ONU. A atuação de forma imparcial e despolitizada é o requisito que dá legitimidade às decisões dessas organizações. Mas a parcialidade da ONU, como exibida no filme, tem sido constatada em várias missões em áreas de conflito no mundo. A mãe de Carlos, que representa a ONU, é tão desprovida de escrúpulos como os demais personagens que detém ou trabalham para o poder político e econômico e o próprio Carlos, antes de embarcar para a África e observar o que ali ocorre, não era melhor do que os outros.

As precárias condições sociais no País indefinido em que o filme transcorre guardam sinistra semelhança com as do Brasil em alguns tópicos como desigualdade social e corrupção. Vemos favelas em que sobrevivem pessoas na extrema pobreza e, ao mesmo tempo, a mansão ostensivamente luxuosa do presidente da república genocida. Os dados de desigualdade social e econômica medida pelo Índice de Gini apresentados pelo Banco Mundial, apontam o Brasil como país com maior desigualdade do que países africanos como Gana, Marrocos, Costa do Marfim e outros. O relatório anual de 2020 da Transparência Internacional mostra que a percepção da corrupção no Brasil é maior do que em países africanos como Gana, Ruanda e Tunísia, por exemplo. Assim, o filme nos leva a pensar com desalento ao comparar as condições sociais brasileiras àquelas que o filme relata, uma vez que a maior parte das filmagens na África tiveram lugar em Gana.

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Carlos sacrifica enormes possibilidades de ascensão econômica, social e política em favor de uma crença moral. Casos como esses são raríssimos, mas ocorrem, como o episódio envolvendo Daniel Ellsberg durante a Guerra do Vietnã. Ele era brilhante analista militar, empregado pela Rand Corporation e que depois se tornou funcionário do Pentágono. Já em 1969, Ellsberg sabia que a guerra não poderia ser vencida pelos Estados Unidos. Tendo acesso livre a documentos que demonstravam que o governo norte-americano vinha sistematicamente mentindo para o público e para o Congresso sobre a situação real da guerra, publicou-os em 1971 no New York Times e o no Washington Post. São a esses mesmos periódicos que Carlos entrega os documentos sobre o que descobriu na África e a gravação do áudio de sua mãe mostrando a manobra da ONU para conter o avanço da China no continente

Na próxima semana escreverei sobre “American Son”.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec