O motor da história
Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine
Alguns pensadores afirmam que a violência é motor da história, uma vez que não há mudança profunda que não tenha sido arrancada por guerra, revolução e derramamento de sangue. É uma constatação tão triste quanto terrível.
Como cristãos, nós participamos, porém, de uma outra história: a história da salvação, na qual os protagonistas são Deus e o ser humano e cujo motor não é a violência, mas o Espírito Santo. O Espírito é força e ternura, poder e suavidade do amor. Em cada salto de qualidade da história da salvação, ocorre uma intervenção especial do Espírito Santo. Percorramos juntos algumas etapas dessa história.
“No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra era sem forma e vazia, e sobre o abismo havia trevas”. Reinava o caos, mas eis que “o espírito de Deus pairou sobre as águas” (Gn 1,1-2). A partir dessa ação, foi possível o surgimento da luz, a separação entre noite e dia, a ordem e o movimento do universo. As coisas se constituíram e começaram a ocupar o seu lugar no Cosmos: as águas se juntaram no mar, as ervas e as sementes germinaram na terra, os astros brilharam no céu. A cada movimento e surgimento do ser, “Deus viu que era bom” (Gn 1,3-25).
O mundo ficou pronto em seis dias, ou na linguagem científica de hoje, em bilhões de anos. Foi nesse momento que Deus disse: “Façamos um ser humano, à nossa imagem e segundo a nossa semelhança” (Gn 1,1,26). Plasmou o ser humano do barro da terra: é a maneira bíblica de falar que Deus preparou, com as leis da evolução, que Ele mesmo tinha posto na matéria, um animal diferente de todos os outros. Foi nesse momento que o mesmo Espírito, que pairou sobre as águas, foi insuflado no ser humano. Aquele hominídeo, em dado momento, deu um salto evolutivo e foi tornado um ser espiritual, dotado de inteligência e vontade, razão e liberdade. Com a intervenção do Espírito de Deus, aquele ser foi tornado capaz de dialogar com o seu Criador, de ser seu amigo, e também com a possibilidade de se revoltar contra Ele (Gn 2,15-17).
A escolha do ser humano pendeu, infelizmente, para essa segunda possibilidade. Em vez de acolher a vocação de ser amigo de Deus, de ser deus em comunhão com Deus, preferiu buscar ser deus contra Deus (Gn 3,1-24). Aconteceu um rompimento tão profundo que o ser humano não queria se comunicar com Deus.
Deus, porém, não se deixou vencer pelo pecado. Em sua misericórdia, Ele decidiu recriar a sua obra, não destruindo a primeira, mas a resgatando do pecado e do mal em que caíra. Para essa nova criação, Deus tomou um novo tronco genealógico, um novo Adão, seu próprio Filho Jesus Cristo. Tirou o Novo Adão do seio da Virgem Maria, da mesma maneira como tinha tirado o primeiro Adão do seio da terra; e a nova criação se realizou por obra do Espírito Santo (Mt 1,1-23; Lc 1,26-38; 3,23-37).
Toda a vida de Jesus na terra se desenrola sob a ação do Espírito Santo. Ele guia as escolhas de Jesus; por sua força, Jesus realiza os milagres, as curas e os exorcismos. De fato, no batismo no Jordão, Jesus é consagrado com o Espírito Santo e com o poder (At 10,38) para evangelizar os pobres.
Após o batismo, Jesus é conduzido pelo Espírito ao deserto. Ele revela que o Espírito não é uma força anônima, mas uma pessoa em Deus; ensina aos discípulos que o Espírito será um outro Consolador e que os conduzirá à verdade plena.
Concluída a sua obra na terra, Jesus é glorificado à direita do Pai. Na terra Jesus deixou a Igreja, formada de onze apóstolos amedrontados. A sua Igreja parece ainda com o corpo inanimado e inerte daquele primeiro homem modelado da terra. E eis que em Pentecostes, o Espírito é soprado nesse corpo inanimado, e a Igreja se torna Corpo vivente de Cristo (At 2,1-13). Pentecostes é o natal da Igreja, como o natal tinha sido o Pentecostes de Jesus! A presença de Maria no Cenáculo serve exatamente para lembrar essa ligação estreita entre o natal de Jesus e o natal da Igreja.
O milagre de Pentecostes continua se renovando aqui e agora. A Igreja continua falando todas as línguas de todos os povos. Ela compreende e valoriza a cultura e o patrimônio de cada povo e de cada etnia, e cada povo compreende seu anúncio de salvação como algo destinado a si.
Supliquemos com fé e com alegria: “Vinde, Espírito Santo! Enchei os corações de vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor”.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.