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1º de maio: 80 anos atribuindo sentidos ao trabalho

Artigo escrito por Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla

30 de Abril de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla.
Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla. (Crédito: Arquivo Pessoal)

Celebrado internacionalmente por trabalhadores, o 1º de maio de 2021 é data especial para a sociedade brasileira. Ele marca as oito décadas de existência da Justiça do Trabalho no Brasil. Há exatos 80 anos, para uma multidão de pessoas reunidas no estádio de São Januário, o presidente Getúlio Vargas anunciava, em um de seus mais famosos discursos, a instalação da Justiça do Trabalho no Brasil. Cabia à instituição recém-criada, ainda vinculada ao Poder Executivo, “defender de todos os perigos a nossa modelar legislação social-trabalhista”. Os tempos são outros. Mas o que concatena os sentidos do trabalho que, no passado e no presente, percorrem processos submetidos a varas e tribunais?

À época, o governo brasileiro estava engajado em fazer o que a historiadora Ângela de Castro Gomes chamou de a “invenção do trabalhismo”. Os quase 400 anos de labor compulsório decorrentes do recentíssimo passado escravocrata transformaram o trabalho em algo desvalorizado por parte da sociedade. Bom mesmo era ser malandro-bamba, como cantava Cyro Monteiro. Essa ojeriza ao trabalho, entretanto, era valor incompatível com o capitalismo nascente de uma sociedade que experimentava seus primeiros anos de industrialização. O governo precisava agir para transformá-la.

Ficou famosa a censura feita pelo Departamento de Imprensa e Propaganda à canção “Bonde de São Januário”, de Ataulfo Alves, interpretada por Monteiro. Um otário que rumava justamente para São Januário -- local de diálogo do presidente com os trabalhadores nos primeiros de maio -- foi substituído por um operário contente. Em dimensões diferentes, Ministério do Trabalho, Justiça do Trabalho e Consolidação das Leis do Trabalho contribuíram, cada qual no seu métier, para essa ressignificação do trabalho. Foi o presidente Vargas, por exemplo, o titular da primeira carteira de trabalho emitida no País. Muita coisa mudou de lá para cá.

Imposto pelo Estado Novo como valor obrigatório, o trabalho passou, no correr das décadas, a ser reconhecido e valorizado. O “Boiadeiro” de Luiz Gonzaga é recompensado, depois de um dia de jornada dura, pelo abraço caloroso de Rosinha. Já em 1980, o operário de “Linha de Montagem”, de Chico Buarque, de cabeça levantada, passava a ser símbolo de coragem. Pouco depois, com o constituinte originário, em 1987-1988, o trabalho foi alçado a fundamento de uma ordem econômica e existência dignas, no artigo 170 da Constituição Federal. Em perigo, são esses o trabalhador e o novo trabalho que a nós recorrem em busca de pacificação.

Não é por bonde atualmente que eles se deslocam ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com jurisdição sobre mais de 22 milhões de pessoas no interior de São Paulo. De ônibus, carro, moto, bicicleta, a pé ou até pelo celular, eles chegam a magistrados e servidores para que, uma vez ameaçadas, sejam-lhes restabelecidas a dignidade e a identidade. E nós, como instituição nacional que celebra seus 80 anos neste 1ª de maio, ou como Tribunal Regional que chega aos seus 35 anos, ao trabalhador recorremos diariamente para seguirmos dando os melhores sentidos a nossa moderna e complexa legislação social-trabalhista. Viva o trabalhador brasileiro!

Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla ([email protected]) é desembargadora do trabalho e presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas (SP).