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O Catálogo das Estrelas

Artigo escrito por Mário Eugênio Saturno

29 de Abril de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Mário Eugênio Saturno
Mário Eugênio Saturno (Crédito: Divulgação)

Muita gente nem imagina que a Igreja Católica tenha cientistas a seu serviço desde muito tempo e mantenha alguns centros de pesquisa e muitas universidades. Não custa lembrar que Nicolau Copérnico era padre, bem como Gregor Mendel, Lazzaro Spallanzani e Georges Lemaitre.

Se a ciência esquece a condição sacerdotal de muitos cientistas, esqueceu muito mais das mulheres que colaboraram. Não custa lembrar que Marie Curie só foi laureada com o Nobel por causa da insistência do marido Pierre. O mesmo destino de esquecimento segue para quatro freiras que catalogaram 481.215 estrelas. O Relatório Anual do Observatório do Vaticano de 2016 recordou essa interessante parte de sua história.

O novo Observatório do Vaticano foi feito pelo papa Leão 13 -- em 1891 --, que declarou que ele teria como objetivo: “Para que o mundo veja que a Igreja apoia a ciência”. E esse observatório foi um dos 18 observatórios do enorme projeto Cart du Ciel, um dos primeiros projetos internacionais em astronomia.

Segundo a revista do Smithsonian, em abril de 1887, 56 cientistas de 19 países se reuniram em Paris para abraçar uma nova disciplina: a astrofotografia. O plano deles era ousado, usar 22.000 chapas fotográficas para mapear todo o céu. O trabalho foi dividido entre instituições da Europa e dos Estados Unidos, incluindo o Observatório do Vaticano.

O trabalho no Vaticano foi feito sob a direção de seu fundador, padre Denza, até sua morte em 1894. Com a nomeação do primeiro diretor jesuíta, o padre John Hagen, da Universidade de Georgetown, ele imediatamente pensou em pedir ajuda às freiras, imitando diversos observatórios que contratavam legiões de mulheres. Em uma carta, datada de 13 de julho de 1909, à superiora geral das Irmãs da Santa Maria Menina, madre Angela Ghezzi, pedia duas irmãs com visão normal, paciência e predisposição para o trabalho metódico e mecânico.

Segundo o arquivista do Observatório, padre Sabino Maffeo, o conselho geral das irmãs não estava entusiasmado com o desperdício de duas freiras em um trabalho que não tinha nada a ver com caridade. No entanto, madre Ghezzi via a vontade de Deus em cada pedido e deixou duas irmãs irem ao observatório. Depois, seguiu uma terceira e uma quarta irmã.

Padre Maffeo identificou as irmãs que fizeram essas medições essenciais: Emilia Ponzoni, Regina Colombo, Concetta Finardi e Luigia Panceri. Todas nascidas no final dos anos 1800 na região norte da Lombardia, perto de Milão.

O trabalho para as irmãs começou em 1910. O trabalho consistia em observar em um microscópio montado em um plano inclinado com uma luz brilhando sob uma fotografia em vidro de uma seção do céu noturno. Até 1921, as freiras determinaram o brilho e as posições de 481.215 estrelas em centenas de placas de vidro.

O árduo trabalho feito por apenas quatro freiras não passou despercebido na época. O papa Bento 15 recebeu-as em uma audiência privada em 1920 e presenteou-as com um cálice de ouro. O Papa Pio 11 também recebeu as “monjas da medição” oito anos depois, dando-lhes uma medalha de prata.

Mário Eugênio Saturno (cientecfan.blogspot. com) é tecnologista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e congregado mariano.