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Detalhes tão pequenos em longevos

Artigo escrito por Edgard Steffen

24 de Abril de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Ilustração
Ilustração (Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Life is a gift -- even with Alzheimer
(Tony Bennett)

Para começo de conversa saibam que não toco instrumento algum. Sou consumidor de música. Do caipira raiz ao erudito de fácil memorização e entendimento. Não encontro beleza na maioria dos sucessos atuais. Nem entendo nem gosto. Coisa de velho.

A trilha sonora de minha vida foi variada. Caçula, ouvia escolhas de meus irmãos e irmãs no rádio da casa. Atravessei fases de tangos de Gardel e Le Pera, boleros de Pedro Vargas e Dr. Alfonso Ortiz Tirado (era médico e gostava de ser chamado doutor), chansons de Jean Sablon e Maurice Chevallier, árias e cançonetas nas potentes vozes de Beniamino Gigli e Tito Schipa... E, claro, música brasileira de Chico Alves, Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Lamartine Babo e Ari Barroso. Sem mencionar vozes femininas de Libertad Lamarque, Marlene Dietrich, Elvira Rios, Jeanneth Mac Donald, Carmem Miranda, entre muitas outras. Pouca gente se lembra de Albenzio Perrone. Seu programa reunia minhas irmãs em volta do velho rádio a válvula.

Na adolescência -- estimulado pelo cinema e ostensiva propaganda do Departamento de Estado -- passei a curtir música americana. Aquela, hoje classificada “standart”. Composições de Ira & George Gershwin, Rogers & Hart, Cole Porter, Irving Berlin, Jerome Kern. Cantoras e cantores, bem-vestidos e bem-comportados frente aos microfones, apoiados em big-bands, encheram minhas horas de adolescente. Descartados bagulhos que também ouvia, ainda os curto.

A internet permite-me recuperar shows e filmes que julgava perdidos. Nela assisti ao último show de Frank Sinatra. Realizado na Itália, na companhia de Sammy Davis Jr. e Liza Minelli. Os parceiros sustentaram o entretenimento. Sinatra já não exibia a qualidade vocal que o guindara ao apelido “The Voice”. Parecia cansado e não alcançava os agudos. Os anos de vida, os maços de cigarro e os jackdaniels cobraram seu preço. Frank foi um fenômeno de sobrevivência. Descontados os anos em que problemas de sua vida amorosa jogaram-no à lona, conseguiu sobreviver ao rock, ao pop, ao rap e tanta coisa surgida no fim do século 20. Perfeccionista e estritamente profissional, atualizou o repertório e sobreviveu aos seus contemporâneos.

No início da carreira Tony Bennett (nascido em 1926) imitava Sinatra. Cresceu quando adotou estilo próprio. Fez pareceria com cantores modernos.

Em Cheek to Cheeck (2016), dividiu o palco e as músicas com Lady Gaga. Sucesso tanto de audiência quanto de crítica. Pouco sei de sua vida pessoal. Teria participado do movimento rotário. É o tipo do cara legal. Encanta quem o rodeia. Aos 94 anos, quando lhe informaram estar com Alzheimer, pontificou: “A vida é um presente -- mesmo com Alzheimer”. Isolado em seu apartamento com vista ao Central Park, perdeu muitas capacidades. Quando sua atual companheira o veste com roupa de show e o coloca frente a um microfone, canta sem desafinar ou esquecer a letra.

Outro longevo participou da trilha sonora da família que formei. Desde menino, na pequena Cachoeira do Itapemirim (ES), ele cantava na rádio e nas festas da cidade. Jovem, cabelos compridos e roupas extravagantes, liderou punhado de jovens nas tardes de domingo. Aquele rock ingênuo reunia as famílias frente a televisão sintonizada na Record. Apesar dos resmungos dos “coroas” (meio assustados com aquele tipo de gente), os “brotos” criaram linguagem, comportamentos e modas. Falavam em calhambeques e carrões. Mandavam tudo para o inferno em festas de arromba. A estudada irreverência vendeu horrores de produtos e discos. Roberto e seu parceiro Erasmo atualizaram o repertório, conforme acrescentavam anos às respectivas vidas. Produziram joias preciosas entre mesmices e breguices. Sobreviveram. Principalmente Roberto Carlos. Completou 80 anos neste 19 de abril. Você pode até não gostar dele. Os/as coroas gostam. Entre tocs, manias, emoções, atentem para um detalhe. Cuidou bem da voz e da carreira. Parabéns! Longa vida ao “Rei”!

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra. E-mail: [email protected]