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Dificuldade financeira comprovada pode excluir de culpa em processo crime contra a ordem tributária

Artigo escrito por Sabrina de Camargo Ferraz

24 de Abril de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Sabrina de Camargo Ferraz
Sabrina de Camargo Ferraz (Crédito: Arquivo Pessoal)

 

Como sabido, em que pese a crise financeira decorrente da pandemia do coronavírus (Covid-19), os recolhimentos dos tributos legais por empresários nos diversos ramos de atividades não foram suspensos, e muito menos isentados.

Este cenário obrigou muitos empresários a encerrar suas atividades, o que, de toda sorte, não significa dizer que foram desonerados do recolhimento dos tributos devidos, bem como que não serão responsabilizados criminalmente pelo não recolhimento.

Lembramos que o simples fato de deixar de pagar tributos não caracteriza crime de sonegação fiscal, nos termos da Lei 8.137/90, e que, em breve síntese, para que seja reconhecido como mera inadimplência do contribuinte, com consequências apenas na esfera administrativa e a inscrição em dívida (CDA), os tributos não recolhidos devem ser devidamente declarados aos órgãos públicos competentes (federais, estaduais e municipais), cada um respeitando a forma legal para tanto (DCTF, DACON, DIPJ, Livros Apuração ICMS, Livro de Registro de Prestação de Serviços, etc).

Contudo, por meio de uma decisão do STF, em dezembro de 2019 (RHC 163.334), a Corte Suprema reconheceu que, em se tratando de ICMS, mesmo que o contribuinte declare o imposto, mas não o recolha de forma contumaz e dolosa, poderá ser considerado como crime de apropriação indébita tributária.

Aliás, a hipótese do contribuinte deixar de repassar aos cofres públicos os valores descontados ou retidos dos seus funcionários (INSS) igualmente pode ser caracterizada como crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no artigo 2º da aludida lei, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.

Todavia, o enfoque aqui não é discutir a criminalização do não recolhimento intencional de ICMS ou traçar as linhas gerais dos crimes contra a ordem tributária, e, sim, destacar que as dificuldades financeiras enfrentadas, desde que devidamente comprovadas, podem ser utilizadas como defesa, buscando a exclusão da culpabilidade em eventual processo crime contra a ordem tributária que os contribuintes venham a enfrentar.

Em que pese não se tratar de tema novo, a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, conforme ocorre em caso de dificuldades financeiras, pode ser reconhecida pelo juiz, isentando o réu de penas que podem variar de seis meses de detenção a cinco anos de reclusão, conforme previsão dos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 e de dois a cinco anos de reclusão no crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no artigo 168-A do Código Penal.

Conforme situação real, o sócio diretor de uma empresa com atividades encerradas no município de Sorocaba/SP, denunciado pela Justiça Federal local pelo crime tipificado no art. 168-A, º 1º, I, do Código Penal, mesmo tendo sido reconhecido como o responsável pelo crime de apropriação indébita previdenciária, foi beneficiado pela “causa supralegal de exclusão da culpabilidade”, em razão de ter comprovado que as contribuições previdenciárias descontadas dos seus funcionários (débito confessado em GFIF) não foram recolhidas à época, em razão de problemas financeiros, fato, este, que justificou o seu não recolhimento, sob pena de causar um mal maior.

Em outras palavras, a defesa conseguiu comprovar que a ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias somente ocorreu porque não era possível exigir do acusado outra conduta, diante da precariedade financeira suportada, não restando alternativa, senão deixar de recolher os encargos tributários para poder honrar outros compromissos, como, por exemplo, a folha de salários de funcionários, pagamentos de dívidas bancárias etc.

A referida decisão, ainda está pendente de julgamento de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Todavia, diante do robusto conjunto probatório produzido pela defesa, acredita-se que a sentença absolutória dificilmente será modificada.

Sabrina de Camargo Ferraz é advogada atuante na área penal e empresarial. Graduada pela Faculdade de Direito de Sorocaba (Fadi), é especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera (Uniderp), especialista em Ciências Penais pela mesma faculdade e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). É pós-graduanda em Processo Civil pela Fadi, com cursos de extensão acadêmica em Teoria e Prática do Processo Tributário pelo IBET e Contabilidade Tributária pela mesma instituição.