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Editorial

Hora de colocar em prática o discurso

Pressionado, Brasil adotou discurso moderado e se saiu bem na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Mas é preciso, agora, cumprir com as promessas

23 de Abril de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Se havia preocupação sobre a participação do Brasil na Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente americano Joe Biden e cujo primeiro dia, realizado ontem, de forma virtual, reuniu lideranças de 46 países, o resultado final foi bem satisfatório e até acima do esperado.

Diante das discussões sobre meio ambiente, emissão de gases e proteção das florestas, que colocam o Brasil no centro do debate, o discurso do presidente Jair Bolsonaro era aguardado. O Ministério das Relações Exteriores vinha se preparando para uma cúpula difícil e temia que o País -- antes referência nas iniciativas de preservação -- ficasse isolado e pudesse até ser tachado de vilão ambiental. Não foi isso que se viu. Felizmente, o tom moderado e conciliador agradou a comunidade internacional.

Entre os destaques, Bolsonaro comprometeu-se a alcançar a neutralidade climática até 2050 -- dez anos antes da meta estabelecida anteriormente --, prometeu duplicar os recursos para a fiscalização ambiental, repetiu a promessa de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e enfatizou o papel do País no enfrentamento do aquecimento global.

Orientado pela ala mais moderada do Itamaraty, o presidente brasileiro também fez um apelo por contribuições internacionais para ajudar na proteção das florestas, mas não exigiu recursos antecipados, como queria Ricardo Salles (Meio Ambiente), algo que foi repudiado e criticado na época do pedido. Ou seja, os países estrangeiros até estão dispostos a colaborar -- e sua colaboração é bem-vinda e necessária --, mas querem que mostremos resultados, algo bastante justo. Essa posição foi reflexo do alinhamento do Brasil com China, Índia e África do Sul para defender que países ricos financiem ações contra o aquecimento global. Essa aliança ajudou o Brasil a se reposicionar na discussão. A articulação com governos de industrialização recente foi considerada fundamental para atenuar a imagem do País nos EUA e na Europa.

De acordo com um porta-voz do Departamento de Estado americano, Bolsonaro imprimiu tom “positivo” e “construtivo” ao seu discurso na cúpula, ressaltando que é justo questionar como os países vão atingir objetivos tão ambiciosos. Ainda segundo o porta-voz, alcançar a neutralidade de carbono até 2050, dez anos antes do compromisso anterior e sem pré-condições, é significativo, assim como o compromisso de melhorar a fiscalização.

Outro ponto celebrado pelos americanos foi justamente a moderação retórica do brasileiro. Afinal, queiram ou não, o Brasil é peça-chave na geopolítica climática mundial. Portanto, conseguir comprometimento e estar minimamente alinhando com o País é importante para Biden, que tenta se posicionar como uma liderança mundial nesse assunto.

É evidente que o Brasil precisa se empenhar na conservação ambiental e corrigir erros e situações. Mas também é preciso lembrar que o País possui muita coisa positiva nessa área. Exemplos não faltam. A matriz energética brasileira é formada por 45% de fontes renováveis, sobretudo a hidráulica e a biomassa, contra 14% da taxa mundial. Considerando os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as fontes renováveis de energia representam 9,8% da matriz energética. O Brasil também é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, atrás apenas dos EUA. Em 2019, de acordo com o relatório BP Statistical Review of World Energy, o País produziu o equivalente a 276 terawatts/hora (TWh), menos do que os 450 TWh dos EUA, mas mais do que a produção de toda a Europa (184 TWh). Outro ponto positivo é o agronegócio brasileiro, cada vez mais comprometido com práticas sustentáveis e muito bem avaliado mundo afora -- inclusive, parte das críticas ambientais ao Brasil embutem também uma guerra mercadológica contra os produtores nacionais. Já entre os pontos negativos, o desmatamento da floresta amazônica voltou a crescer em março e bateu o recorde para o mês, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Enfim, o meio ambiente é assunto delicado, que envolve interesses, demagogia, realidade e hipocrisia. Resta agora o mais difícil, que é efetivamente colocar em prática tudo o que foi dito e prometido por Bolsonaro. É necessário que o discurso seja refletido em ações práticas e que resultados tangíveis sejam vistos o quanto antes. Isso será benéfico para as pessoas, a economia e o meio ambiente.