Editorial
O combate à corrupção em baixa
No Brasil, infelizmente, assistimos ano a ano a casos escabrosos de corrupção, pelos quais os infratores não só se dão bem como ainda se vangloriam de seus malfeitos
Há décadas, desde que a televisão se tornou o veículo de comunicação mais assistido no país, é comum, a cada filme ou seriado policial, um dos ‘mocinhos‘ afirmar que o crime não compensa.
Por mais ardiloso que seja o bandido, no final, ele sempre acerta as contas com a justiça.
Foi essa a lição que aprendemos e que deveríamos levar conosco para sempre.
Só que no Brasil, infelizmente, assistimos ano a ano a casos escabrosos de corrupção, pelos quais os infratores não só se dão bem como ainda se vangloriam de seus malfeitos.
Investigações policiais robustas, acompanhadas pelo Ministério Público, acabam no limbo por conta de filigranas jurídicas que excluem e anulam provas e libertam, com o carimbo de inocente, corruptos e corruptores.
Até mesmo confissões, delações e acordos de leniência deixam de valer graças a essas manobras.
É claro que toda essa impunidade acaba refletindo no modo de pensar da população.
Seguir as regras à risca, sem cometer desvios éticos e morais, deixa de ser prioridade.
Justificativas banais são usadas para acobertar e validar esses pequenos delitos.
A sociedade toda sofre quando o povo deixa de acreditar que o crime não compensa.
Só que uma hora a conta chega. Mesmo que a justiça feche seus olhos para a corrupção. O sentimento e o grito do povo não pode ser abafado.
Prova disso é a nossa colocação no último relatório do Índice de Percepção da Corrupção (IPC), produzido em 2023.
Pelos dados apresentados, o Brasil atingiu a segunda pior colocação da história desde que o documento passou a ser produzido em 1995 pela Transparência Internacional.
Na pesquisa divulgada nesta terça-feira, 30, o país figura agora na 104ª posição entre as 180 nações avaliadas.
Quanto mais afastado do topo do ranking a nação estiver, mais corrupta ela será considerada.
Como esse é um documento de consumo global, e que serve de parâmetro até para atrair investimentos internacionais, nossa imagem não está nada boa.
Em 2023, o Brasil atingiu os 36 pontos, dois a menos que o registrado no levantamento anterior.
Nossa pontuação é semelhante a de países como a Argélia, a Sérvia e a Ucrânia.
O relatório atribui para cada país uma pontuação que varia do 0, equivalente a ‘altamente corrupto‘, até 100, que representa o ‘muito íntegro‘.
A pior colocada no ranking atual é a Somália, com 11 pontos. Na outra ponta, está a Dinamarca, melhor colocada, com 90 pontos.
Em seu relatório, a Transparência Internacional justifica a nota dada ao Brasil.
Como pontos negativos a entidade destaca ‘o fortalecimento do chamado ’Centrão’, no Congresso, com a série de manobras para manter esquemas pouco republicanos na distribuição e fiscalização de verbas destinadas a emendas parlamentares.
O loteamento de cargos, nos muitos ministérios e órgãos do Governo, também é um ponto negativo.
A Transparência Internacional também considera que vivemos um grave momento de insegurança jurídica, com decisões controversas e monocráticas, principalmente vindas do Supremo Tribunal Federal (STF).
Como exemplo dessa situação, a entidade citou a anulação do ministro Dias Toffoli dos acordos de leniência da Odebrecht, principalmente ao se descobrir que a esposa do ministro faz parte da defesa da companhia beneficiada pela sentença.
Vale destacar ainda o desmonte total da Operação Lava Jato, que desvendou um dos maiores esquemas de corrupção já descobertos no planeta.
A maioria dos envolvidos nas falcatruas não só está nas ruas, circulando livremente, como ainda participa das principais decisões do país.
É difícil para a população honesta entender esse tipo de coisa. Mais preocupante ainda é saber que muitos dos postulantes a cargos em concurso público, principalmente na área de fiscalização e controle, já participam dos certames de olho na maneira mais fácil de se dar bem e multiplicar os ganhos.
Nesse ritmo, vai ficar cada vez mais distante o sonho brasileiro de se livrar, por completo, da corrupção.
Se o exemplo não vier de cima, é quase impossível convencer as camadas inferiores da importância de se respeitar a lei.