Editorial
O Brasil se prepara para o juiz de garantias
Esse magistrado será responsável por fiscalizar a legalidade da investigação criminal, autorizando medidas como prisões
A justiça brasileira está prestes a experimentar uma mudança bastante significativa em seu rito. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já formaram maioria em relação à implantação obrigatória do juiz de garantias. Essa figura, já existente em outros países como Portugal, Alemanha e Argentina, é um magistrado que atuará apenas na fase de instrução do processo.
Esse magistrado será responsável por fiscalizar a legalidade da investigação criminal, autorizando medidas como prisões, quebras de sigilo e mandados de busca e apreensão. Sua principal função é garantir os direitos individuais dos investigados. Terminada essa fase, o processo é enviado para outro juiz que realizará, efetivamente, o julgamento.
O juiz de garantias foi incluído no pacote anticrime, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República em dezembro de 2019. Só que a regra foi questionada no STF e sua aplicação foi suspensa em janeiro de 2020 por decisão do ministro Luiz Fux, na época vice-presidente do STF.
Desde então, o processo está sob análise da Corte Suprema. Fux foi o relator do tema e votou contra a obrigatoriedade da implementação dessa nova figura jurídica. Só que a posição dele foi vencida. Seis ministros já votaram pela obrigatoriedade. Embora o julgamento ainda não tenha terminado, e muitas questões precisem ser esclarecidas, o sistema judiciário brasileiro contará, mais dia, menos dia, com o juiz de garantias.
Até agora só houve uma unanimidade de posição na análise da questão. Todos os sete ministros que já anunciaram seus votos entenderam que a atuação do juiz de garantias termina com o oferecimento da denúncia, sem que haja análise sobre seu recebimento ou rejeição.
Essa posição diverge da lei que foi aprovada pelo Congresso, que estabelecia que o novo magistrado teria competência para receber ou rejeitar a denúncia. Além disso, os ministros também consideraram inconstitucional a previsão de um rodízio de juízes em casos de comarcas com apenas um magistrado. O STF também formou maioria para que o juiz de garantias atue em casos ligados à Justiça Eleitoral.
A criação do juizado de garantias é considerada pelos juristas uma reação política à Operação Lava Jato e seus desdobramentos. A atuação do ex-juiz Sergio Moro, o titular da 13ª Vara Federal de Curitiba durante as investigações, desagradou a muita gente no mundo jurídico.
Mensagens trocadas entre Moro e alguns procuradores da força-tarefa da Lava Jato, obtidas mesmo que ilegalmente, apresentaram indícios de que o juiz e os membros do Ministério Público combinavam estratégias durante o desenvolvimento dos processos.
Em 2019, Moro, como ministro da Justiça, enviou ao Congresso Nacional uma série de medidas que ficaram conhecidas como “pacote anticrime”. O projeto não continha a figura do juiz de garantias que foi incluída por uma emenda, sugerida por um grupo de deputados, a maioria da oposição. Aprovada e sancionada, a medida desagradou Moro que, pouco tempo depois, deixou o ministério.
A principal mudança criada com a implementação do “juiz de garantias” é a divisão da jurisdição do processo criminal. Atualmente, quando a polícia inicia um inquérito, ele é sempre acompanhado por um juiz, que é quem pode autorizar e emitir mandados para as diligências mais invasivas, como busca e apreensão, quebra de sigilo bancário e prisão preventiva.
Depois, caso a investigação se torne uma ação penal, o mesmo magistrado é quem conduz o processo, avalia provas, ouve os argumentos da defesa e interroga as testemunhas.
Com o juiz de garantias, isso tudo muda. E, um novo magistrado começa a analisar, do zero, as provas obtidas, sem que esteja envolvido com o processo inicial de investigação. É esse novo juiz que ficará responsável por sentenciar a ação.
A mudança é bastante importante e vai dar outra forma à justiça criminal brasileira que conhecemos. A intenção é garantir um processo mais justo aos réus, evitando que quem decide esteja contaminado pela emoção do período em que foram feitas as investigações.
Resta saber como isso vai funcionar na prática. O STF ainda não decidiu que prazo será dado para que esse sistema funcione plenamente. Dificilmente isso ocorrerá em menos de dois anos. Até lá, muita água ainda pode rolar por debaixo dessa ponte.