Editorial
Mar revolto, mas sem ondas
Os resultados econômicos e políticos dos governos de esquerda não estão agradando as populações e a onda vermelha começa a dar espaço para a volta da direita
A América do Sul enfrenta, há décadas, sérias transformações sociais. Muitos países vivem o contraste entre as ideias de governos de direita e de esquerda. Essa oscilação constante impede que um único projeto de nação seja levado a cabo. O que se vê, a todo momento, é revanchismo, desestruturação e muita disputa política.
Nas últimas eleições, as ideologias de esquerda avançaram bastante e acabaram tomando o poder na Argentina, no Chile, na Colômbia, no Peru e por fim no Brasil. Paraguai e Uruguai foram em caminhos opostos e escolheram lideranças de direita. Da Venezuela nem se precisa falar. Lá a ditadura Chaves/Maduro continua a causar terror e afrontar os direitos humanos. A fome toma conta do país e milhares de venezuelanos fogem em busca de uma vida minimamente decente.
Os resultados econômicos e políticos dos governos de esquerda não estão agradando as populações e a onda vermelha começa a dar espaço para a volta da direita. O aumento do custo de vida, a piora da segurança pública e a dificuldade em construir consensos com o Parlamento têm complicado a vida desses líderes de esquerda. A popularidade deles vai de mal a pior. Graças ao insucesso dos esquerdistas no continente, a direita tem encontrado um discurso para se contrapor e mostrar o fracasso de muitas ideologias calcadas em discursos que não prosperaram em lugar nenhum do planeta.
Para muitos analistas, há um descompasso entre a agenda desses líderes de esquerda e a vontade da população, grande maioria formada por cristãos. Para María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina, “a esquerda passou a se preocupar com uma agenda progressista, que não é o foco da parcela da população mais pobre, sem dinheiro para pagar as contas no final do mês e não estão preocupadas com o aquecimento global ou com a paridade de gênero. Quem não tem o que comer não vai discutir problemas relacionados à sustentabilidade”, explica a pesquisadora.
Puente é testemunha ocular desse fracasso da esquerda. Seu país, a Argentina, vive uma enorme crise econômica, com a inflação nas alturas e a população desesperada. A gestão do presidente Alberto Fernández foi tão ruim que ele sequer teve coragem de se candidatar à reeleição. A inflação anual argentina chegou, em agosto, aos 124%. O país está atolado em dívidas com o FMI e as reservas em dólares no vermelho. A Argentina tem ainda problemas com a alta de preços e a dificuldade de abastecimento e de receber produtos importados. Falta confiança para a negociação com empresas e outras nações.
Fernández viaja o mundo todo, de pires na mão, em busca de ajuda internacional para tentar consertar, um pouco, os estragos que fez. De quebra assiste aos eleitores de seu país procurarem uma solução na candidatura Javier Milei, da coalizão A Liberdade Avança. Com um discurso agressivo, prometendo dolarizar a economia do país, cortar gastos públicos e romper acordos com ditaduras de esquerda como a China, Milei venceu o primeiro turno das eleições e segue na ponta, com larga vantagem, também no segundo turno. A vitória dele pode mudar radicalmente a situação política do Cone Sul do continente.
O Chile, de Gabriel Boric, e a Colômbia, de Gustavo Petro, também vivem momentos difíceis na economia e na política. A falta de maioria no legislativo prejudicou a execução da agenda prometida em campanha. A reforma tributária, proposta pelos dois mandatários, não avançou nem no Chile nem na Colômbia. O presidente colombiano, além de enfrentar a queda na popularidade, ainda assiste seu filho mais velho responder por vários processos criminais. Petro enfrenta denúncias de corrupção e do suposto financiamento de narcotraficantes a sua campanha. O filho preso já tentou até se safar com uma delação premiada, mas a narrativa dele não convenceu a justiça do país.
O Brasil assiste a um cenário semelhante. O governo federal, sem maioria no Congresso Nacional, tenta utilizar de cargos e verbas para conquistar votos. Só que essa movimentação tem se mostrado frágil e a cada fracasso o preço do apoio sobe. A dívida pública só aumenta e o mercado já perdeu boa parte da confiança nas ideias econômicas apresentadas.
A onda vermelha que ameaçava dominar a América do Sul perde força. As soluções mirabolantes e populistas prometidas em campanha não encantam mais a população. Um novo movimento deve surgir nas próximas eleições. Resta saber quem vai capitalizar essa nova tendência.