Editorial
Manobra arriscada
Ao tomar conhecimento da ajuda brasileira a seu adversário político, o presidenciável Javier Milei disse que o presidente Lula tem atuado contra a sua candidatura
Governantes do mundo todo evitam interferir, pelo menos diretamente, nas eleições e nas decisões políticas de países aliados. O termo soberania é sempre o escudo utilizado para impedir que um vizinho, ou mesmo um parceiro comercial importante, dite as regras de forma cabal. Cada nação democrática deve seguir livremente seu caminho, sem ser tutelada por outrem. O povo é que precisa ser o senhor de seus rumos.
O próprio presidente Lula, questionado várias vezes sobre problemas em países comandados com mão de ferro por ditadores, esquiva-se de responder. O discurso é sempre igual, não podemos interferir nas decisões de outras nações.
Só que no caso da Argentina não é bem isso que está ocorrendo. O atual governo brasileiro decidiu mexer uns pauzinhos para tentar viabilizar e favorecer a candidatura de Sérgio Massa, que representa a continuidade do governo desastrado do esquerdista Alberto Fernández. A situação do atual presidente argentino é tão ruim que ele sequer tentou a reeleição.
A manobra feita por Lula foi revelada pelo jornal ‘Estadão‘. De acordo com a reportagem, no final de agosto, o presidente brasileiro chamou a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e determinou que ela ajudasse a liberar um grande empréstimo financeiro para o governo vizinho.
Por determinação do presidente, o Brasil tinha de autorizar uma operação para que o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) concedesse empréstimo de US$ 1 bilhão à Argentina.
O Brasil, que detém, segundo apuração do Estadão, 37,3% de participação no capital do CAF, seria o país com maior poder e influência nas decisões do banco. O governo contesta esse número e informa que a participação brasileira atual é de 8,8% do capital da instituição. A Argentina, que enfrenta uma enorme crise financeira com inflação acima dos 100%, precisava desse crédito para convencer o Fundo Monetário Internacional a liberar um desembolso de US$ 7,5 bilhões.
Tebet é a responsável pelos atos do Brasil no CAF e por isso a operação de socorro precisava do seu aval. Com a pressão do Brasil, os outros participantes do CAF votaram a favor da transferência do crédito para a Argentina. Com esse dinheiro, em conta, foi possível rolar a dívida com o FMI.
O candidato da situação argentina, que acumula o cargo de ministro da Economia, aproveitou a folga no caixa para comprar votos. E saiu distribuindo benefícios fiscais para a população na tentativa de angariar apoios. A interferência brasileira no processo eleitoral argentino é clara, uma atitude condenável pelos ditames da diplomacia. A situação para o nosso país pode piorar ainda mais, se Massa perder as eleições.
A possibilidade de Javier Milei, um político contrário a tudo que o Partido dos Trabalhadores defende, causa apreensão no Palácio do Planalto. O líder das pesquisas na Argentina apresenta-se com um discurso antiestablishment, defende a dolarização do país, a saída do Mercosul, a extinção do Banco Central e o fechamento de vários ministérios para reduzir o tamanho do Estado.
O Mercosul, como um todo, seria composto por partidos de centro-direita, a exceção seria o Brasil. Esse tipo de configuração atrapalha, e muito, o desejo de liderança continental de Lula.
Ao tomar conhecimento da ajuda brasileira a seu adversário político, o presidenciável Javier Milei disse que o presidente Lula tem atuado contra a sua candidatura e chamou o petista de ‘comunista furioso‘. Milei também compartilhou as publicações de jornais brasileiros a grupos de apoiadores.
Numa dessas publicações ele diz que ‘o presidente comunista do Brasil, Lula, que fundou com Fidel Castro o Foro de São Paulo, está agindo para que um banco brasileiro empreste milhões de dólares ao governo argentino, para evitar que Milei ganhe as eleições. Lula financiou Maduro (Venezuela), CFK (Cristina Kirchner, Argentina), Petro (Colômbia), entre outros‘.
No Brasil, o assunto também está ganhando repercussão. O senador Sérgio Moro usou as redes sociais para criticar a atitude de Lula. Segundo o ex-juiz federal, Lula ‘tenta afundar a Argentina‘ ao ‘ajudar‘ o governo de Alberto Fernández.
‘Não satisfeito em desarrumar a economia brasileira e nos colocar rumo a uma crise fiscal futura, Lula tenta afundar a Argentina ajudando o kirchnerismo nas eleições presidenciais contra Milei e Bullrich. Alívio em prazo curto não altera a gestão econômica ruinosa do populismo de esquerda na Argentina‘, escreveu Moro.
O desfecho da eleição na Argentina está próximo. Se a manobra de Lula vai surtir efeito ainda não se sabe. Caso Milei vença, as relações com o Brasil devem piorar bastante. Já se Massa triunfar, a conta da ajuda eterna ao vizinho vai acabar no nosso bolso. O que se sabe, com certeza, é que daqui pra frente Lula não vai poder mais usar a desculpa da soberania externa para se calar diante de perguntas incômodas sobre seus amigos ditadores.