Um chato no calor
Nelson Fonseca Neto - [email protected]
Já escrevi neste espaço que a minha idade física não bate com a minha idade mental. Minha cabeça é de idoso. Pode ser que aconteça o contrário com algumas outras pessoas: cabeça jovem num corpo mais velho. Não é o caso de dizer quem está certo. Cada um toca a vida do jeito que acha melhor.
Mas eu acho que preciso explicar melhor a minha cabeça de idoso. Não quero ser confundido com um retrógrado. Não fico lamentando pelos tempos das charretes e das lamparinas. Não fico resmungando sobre os hábitos dos meus alunos. Ora, se eu resmungasse, deveria mudar de profissão. Nunca passou pela minha cabeça ser o patrulheiro do prazer alheio. Meu temperamento idoso tem muito mais a ver com um prazer sentido no sossego.
Sossego não é ranhetice. Acho até que sou meio bobo alegre. Fico fazendo palhaçadas para a Patrícia. Escrevo umas besteiras no Facebook. Sempre acreditarei que senso de humor é sinal de inteligência. A vida pode ser plena e moderada ao mesmo tempo.
Esta época do ano é propícia a alguns pensamentos sobre a vida que cada um leva. Muita gente da minha idade tem aproveitado os dias de folga para fazer viajar. Alguns dos meus amigos passam meses planejando roteiros. Alguns, mais aventureiros, ficam no meio do mato. Outros pegam o carro e atravessam o Brasil. Outros enfrentam filas em parques de diversão. Claro que fico feliz por eles. Mas não é para mim.
Detesto malas. Detesto arrumação de malas. A mala arrumada é o sinal claro de que a vida, nos próximos dias, será mais improvisada, mais apertada, mais acelerada, mais desconfortável. Depois tem o carro. Estrada pede revisão do possante. Dureza ouvir palavras ameaçadoras do cara que olha torto para as pastilhas de freio. Depois tem o hotel. Pode ser que seja uma roubada. Há milhares de situações potencialmente bizarras envolvendo hotéis.
A questão do hotel, se paro para pensar, até que é otimista. Terror dos brabos é o apartamento alugado na praia. Até já escrevi sobre isso por aqui. Basta dizer que quase nunca a realidade bate com as fotos da internet. Nunca vi baratas nessas fotos. Pode apostar, elas aparecerão. Assim como o calor horroroso, o pedaço de areia disputado no muque, as filas nos supermercados, o lixo na calçada, os milhões de mosquitos, a música cafona, a virose, a comida mequetrefe. Faz tempo que larguei dessas coisas.
Depois tem a volta para casa, o humor despedaçado, as contas esperando. Duvida? Vá pagar o IPVA num caixa eletrônico nos próximos dias. Você vai entender que o brasileiro está prestes a tomar uma Bastilha. Sangue, suor, perdigotos, musiquinhas bestas de celular e conversas raivosas. Se um dos caixas eletrônicos para de funcionar, pode apostar que o Brecht que mora em cada um aflora rapidinho, rapidinho.
Aprendi a pensar em todas essas etapas. Todos têm um quê de masoquista, mas não precisamos exagerar. O importante é reconhecer os próprios limites. Cada um tem o seu. Sou alvo da tiração de sarro dos meus amigos. Essa fobia de viagem rende, e muito. Sem problemas. Eu sei desempenhar bem o papel de vidraça.
Conheço algumas pessoas que ficam transtornadas porque deixam de viajar num determinado ano. Parecem amputadas. Ficar na cidade nos primeiros dias de janeiro é punição para essas pessoas. Para mim, é dádiva. Sinto que volto aos anos 90. No quesito trânsito, que fique claro. Deus me livre de algumas coisas dos anos 90. Um dia escrevo com mais calma a respeito dessa década tão perturbadora.
São dias quase perfeitos. Pena que o calor castiga. Vai ver que é coisa da minha mente idosa, mas você não acha que o calor está pior do que antigamente? Eu gosto de frio e tempo nublado, e acho triste sempre que o termômetro marca mais de vinte graus e o céu não tem nuvens. Quando olho para fotos do Alasca e suspiro fundo, juro que não estou bancando o excêntrico. Bom, deixa pra lá.
Comecei dizendo que a minha cabeça é idosa. Acho que me enganei. É chatice mesmo.