Tiro curto
Nelson Fonseca Neto - [email protected]
Eu já disse aqui que, atualmente, as minhas leituras não têm sido organizadas. Já fui mais metódico. Já fui o típico CDF. Já trabalhei com metas e as cumpri. Ainda que bem que mudei. Hoje a rotina de leituras está bem melhor. Não leio para ter um aumento de salário ou para conseguir determinado cargo. Leio porque não consigo passar um mísero dia sem correr os olhos por algumas páginas. Questão de sobrevivência mesmo.
Eu bem que poderia jogar um pouco de drama neste momento. Eu diria que o mundo é horroroso e que a leitura é meu refúgio. Mas não é assim. Fico indignado com um monte de coisas. Às vezes eu tenho vontade de apertar a tecla “reset” do mundo. Mas a fúria não dura muito tempo. Acabo me contentando com a vida que levo. E ela é boa. Egoísmo? Miopia mental e espiritual? Fiquem à vontade para me julgar.
A leitura não é o meu refúgio. O que acontece, então? Minha tentativa de explicação: questão de treino. Parece bobagem, mas não é. Desde muito novo, eu gosto de ler. Eu devorava gibis e revistinhas. Eu lia, em janeiro, os livros didáticos de um determinado ano escolar e ficava alguns meses adiantado. As imagens das sacolonas da livraria chegando em casa no começo do ano são das mais queridas. O Machado de Assis estava certíssimo quando dizia que o menino é o pai do homem. Depois dos primeiros anos decisivos, tudo é desdobramento automático. O menino que devorava gibis passou a devorar livros. Depois virou professor. Depois abriu uma livraria. Depois virou cronista de jornal.
E virou um cronista deveras enrolão. O planejamento da coluna desta semana estava redondinho. Eu falaria da minha relação com a leitura em poucas linhas. Depois atacaria o miolo da questão. Só que eu queimei cartuchos, pra variar. A introdução ocupou quase metade deste texto. Eu poderia deixar de lado e jogar o ponto principal para semana que vem. Mas hoje eu não vou fazer isso. Peço perdão se a mudança for brusca.
A minha introdução serviria de gatilho para comentar o que eu li nas últimas semanas. Eu falaria a respeito das maravilhas do romance policial. Eu mencionaria livros dessa vertente que não receberam o devido elogio. Se desse certo, eu até soltaria uma teoriazinha marota. Acho que seria um texto dos mais instrutivos. Um dia eu ainda tomo vergonha na cara e escrevo uma coluna mais minuciosa sobre a narrativa policial.
Se bem que eu não li apenas livros policiais nos últimos dias. Resolvi reler, coisa de pouquinho tempo atrás, “Nove histórias”, livro de contos de J.D. Salinger. Nada de ser econômico nos elogios. Trata-se de uma aula sobre como escrever narrativas breves. Em setembro, a editora Todavia soltou uma nova tradução dessa preciosidade. A tradução de Caetano Galindo ajuda, e muito, a entender os motivos pelos quais o livrinho de Salinger é estupendo. Não sacarei o bisturi da bolsinha para analisar a obra. Fica muito mais legal convidar o leitor para encarar aquilo que a vida pode oferecer de melhor. Não tenham dúvidas: os contos de Salinger são o “aquilo que a vida pode oferecer de melhor”.
Enquanto eu lia os contos de Salinger, os fios foram se atando num ponto interessante: James Joyce. É que Salinger e Joyce são muito mais conhecidos por seus romances: “O apanhador no campo de centeio” e “Ulysses”, respectivamente. Acho justo. Mas as pessoas precisam saber que eles foram contistas de primeira. O Salinger, com as “Nove histórias”; o Joyce, com “Dublinenses”. São dois dos meus livros preferidos. Eu poderia mencionar o Cervantes, com o seu glorioso livro “Novelas exemplares”, mas aí a coisa desandaria pra citação firulenta.
Não consigo cravar a razão pela qual o romancista sufoca o contista. Tenho algumas hipóteses. Uma das mais relevantes é que o público tende a olhar com mais respeito para a narrativa de fôlego mais longo. É meio brega encarar as coisas desse jeito, mas fazer o quê?
Se vocês, queridos leitores, passarem a ver o conto com a mesma dignidade que o romanção, esta coluna tortuosa já terá valido a pena.