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Silvio Santos vem aí

14 de Setembro de 2018 às 11:12

Percebo que muita gente tem olhado com nostalgia para os anos 80. Sidnei Magal voltou a fazer sucesso. A Xuxa faz comerciais ironizando a época em que tinha programa na Globo. O Atari caiu nas graças da moçada. E tem, claro, o Silvio Santos reinando absoluto.

Passei a infância nos anos 80. Lembro bem dessas figuras. Gostava de algumas, não suportava outras. A vida é assim mesmo. A gente olha meio torto para o presente, mas basta correr um tempinho para que a nostalgia edite tudo lindamente. Aposto o que vocês quiserem que, em 2040, alguém olhará para 2018 e suspirará de saudade. Tem gosto pra tudo.

Mas o que eu quero mesmo é falar a respeito do Silvio Santos. Para mim, ele é o símbolo máximo dos anos 80. Já naquela época eu admirava o sujeito que conseguia reinar por muitas horas nos domingos. E é claro que eu não passava batido pela mitologia que mostrava o camelô que tinha se tornado milionário apenas com a lábia sedutora. A história do Silvio Santos deve ter animado muita gente. Hoje, acho que o exemplo deve ter ficado desgastado. Quase não ouço a mágica história do camelô sorridente. Vai ver é porque estamos vivendo numa época mais dada ao refinamento. Os exemplos de hoje precisam ser mais limpinhos. Pode ser que eu esteja enganado. Sei lá.

O que mais me espanta no Silvio Santos é a capacidade que ele tem de equilibrar sadismo com afago. Está na cara que ele é movido pelo desejo de sacanear quem é convidado para aparecer em seu programa. Sempre foi assim. Antes ele disfarçava um pouco mais. Agora é escancarado. As pessoas acham o máximo. E ele sabe disso. Por exemplo, um artista é convidado para participar de alguma gincana, e ele, Silvio Santos, faz questão de bancar o marciano e perguntar o que o coitado do artista faz. Normalmente é um artista com alguma projeção. As palavras de explicação saem meio constrangidas. E o Silvio Santos sempre rindo. Mas depois ele faz carinho. Não tem como não rir. Eu poderia ficar horas falando a respeito dos momentos em que Silvio Santos faz questão de construir a imagem do cara meio maluco, meio avoado.

O problema é comprar essa história sem fazer algumas perguntas importantes. Não é esquisito que um cara tão bobo seja considerado um empresário brilhante? Como construir um império dando aquela risada típica e chamando o Lombardi? Lembrando que um canal de televisão é concessão pública. Não é só ter dinheiro e chegar num balcão e dizer: quero um canal. A politicagem para se obter uma dessas concessões é pesada. Basta pesquisar um pouco sobre o assunto. É de arrepiar todos os cabelos do corpo.

Mas, até poucos dias atrás, tudo isso era meio enigmático para muitas pessoas. Muita gente ainda podia alegar inocência a respeito de Silvio Santos. Agora não pode mais. É que saiu um livro muito interessante: “Topa tudo por dinheiro: as muitas faces do empresário Silvio Santos”, de Mauricio Stycer, publicado pela editora todavia.

Trata-se de um perfil biográfico. Ou seja, Mauricio Stycer não se viu obrigado a escrever uma biografia tradicional. Seu texto goza de liberdade para ziguezaguear pela cronologia. São idas e vindas nada confusas. Stycer soube pinçar os episódios mais marcantes da carreira de Silvio Santos. Ele não precisou escrever um catatau para nos apresentar zonas escuras do maior comunicador do Brasil. Precisa manjar muito do riscado para escrever um livro desses. É uma aula de escrita e é uma aula de como pesquisar seriamente.

É daquele tipo de livro que a gente sente falta no país. O rigor da pesquisa é acadêmico, mas o estilo é cheio de ginga. Trata de um assunto relevante. Muda a nossa maneira de ver as coisas. Acho que as editoras precisam investir mais nesse filão. Há muitos leitores famintos por esse tipo de abordagem.

Fechei o livro de Stycer sentindo-me um pouco mais adulto. Até então, contrariando o bom senso, eu insistia na ingenuidade de ver Silvio Santos apenas como um cara engraçado e meio maluco. Minha infância desabou? Não. Ainda dou minhas bicadas no programa do Silvio Santos domingo à noite. O menino é o pai do homem.

Nelson Fonseca Neto - [email protected]