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Sempre sobre o tempo

13 de Setembro de 2019 às 00:01

Envelhecer é falar frequentemente sobre a passagem do tempo. Parece que foi ontem! O ano está voando! Sem contar os ataques de nostalgia. Sem contar as comparações. Antigamente era muito melhor! Vocês sabem muito bem do que estou falando.

Sim, eu tenho falado frequentemente sobre a passagem do tempo. Sim, eu tomo uns sustos quando vejo que já estamos em setembro. Sim, a nostalgia toma conta de mim em alguns momentos. Eu só tomo cuidado com as comparações que depreciam os dias de hoje. O que me blinda desse perigo é a minha profissão. Sou professor. Acho sacanagem ficar jogando na cara dos meus alunos que os tempos da minha infância eram melhores. Isso é bobagem.

As comparações não são depreciativas, mas elas ocorrem num tom de, digamos, neutralidade. Não consigo encontrar palavra mais adequada. Digo isso porque neutralidade é algo raro pra caramba. Enfim, continuemos. Eu estou o tempo todo comparando. Acho que isso acontece também com vocês. Sendo repetitivo: cuidado para não idealizar o passado. As gerações mais novas não precisam passar por esse aborrecimento.

Eu jogava Atari e Nintendo. Eram jogos sensacionais. Sim, jovens do meu Brasil, pais e mães já ficavam de olho nos abusos da jogatina. Sim, jovens do meu Brasil, tinha uma molecada que ia dormir mais tarde que o recomendável porque não conseguia desgrudar a cara da tela da televisão. Só que eu achava que as coisas eram menos intensas nesse quesito de jogos eletrônicos. Éramos mais evoluídos? Claro que não. Culpa dos jogos mesmo. Chegava uma hora que ficava meio monótono pilotar o carrinho do Enduro ou o aviãozinho do River Raid.

Não tem como comparar com os jogos de hoje. O moleque de hoje participa, muitas vezes, de equipes que se aventuram num cenário caprichadíssimo. Hoje, a indústria dos jogos eletrônicos é uma potência. Criar um jogo não é mais negócio apenas para o programador e para o designer. Há roteiristas, diretores e atores. Resultado: tudo é muito mais sedutor. Dia desses, cheguei a dizer numa sala de aula que, se eu fosse adolescente hoje, meus pais teriam de me levar amarrado pra escola. Não sei se fiz bem. Não tem problema. Prefiro jogar limpo com a moçada.

Um outro tópico interessante de comparação é a paixão pelo futebol. Eu já disse em várias outras colunas: sou fanático por futebol. Sou viciado em programas de debates esportivos. Já fui torcedor de dar chilique. Agora estou mais calmo. Eu devorava a revista Placar. Eu ficava alucinado, quando íamos a São Paulo, com as revistas importadas italianas e francesas. Domingo de amanhã eu emendava Desafio ao Galo com Campeonato Italiano. Sem contar os jogos que rolavam ao longo da semana. Mas não ia muito além do que eu acabei de descrever. Hoje a moçada pode assistir, na TV a cabo, futebol inglês, alemão, italiano, chinês, norte-americano, francês, holandês etc. Sem contar que o Youtube e a internet apresentam análises aprofundadas. Quem gosta de futebol pira. Alguns dos meus alunos e algumas das minhas alunas conhecem a escalação de times como Everton e Lille. Se houvesse isso tudo na minha época, eu teria de ser alimentado na marra.

Envelhecer é comparar. OK. Mas o lance da idade mais avançada traz também outras coisas. A gente fica mais econômico. Não estou falando de grana ou patrimônio. A gente fica existencialmente mais econômico. A gente se mete menos em confusões evidentes. A gente fica menos leão no trânsito. A gente deixa passar com estoicismo a barbeiragem alheia. A gente tira o pé na hora de ir a uma festinha ou confraternização. É que a gente se lembra de um negócio básico: a ressaca. Não é moralismo chinfrim, é ressaca mesmo. Incomoda, amolece, torna tudo mais arrastado. É a ressaca. E ela era uma abstração poucos anos atrás. A gente também fica mais econômico nas relações de amizade. Favor não confundir com grosseria. Digamos que o radar para detectar chatos e malas em potencial fique mais refinado. Passei da fase da experimentação nesse campo. Em time que ganha não se mexe. É de se contar nos dedos de uma mão as amizades fortes que surgiram nos últimos anos. Por favor, não sigam o meu exemplo. Eu não sou referência pra nada.

“Crônica” faz referência escrachada a “tempo”. E não é que escrevi uma crônica da gema?

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