Santa abundância
Nelson Fonseca Neto - [email protected]
Algumas páginas do Facebook são interessantíssimas. As minhas favoritas mostram fotos de comida. Antes que você entenda mal: não são fotos de pratos requintados. Muito pelo contrário. A marca que une as imagens é a abundância. Doces e salgados pantagruélicos. Sanduíches de quatro andares. Doces com Nutella escorrendo sem miséria.
Volto a dizer: não são pratos requintados. Tem mais: não vejo essas coisas em busca de inspiração pra bancar o cozinheiro. Não se esqueça de que estamos num regime brabo aqui em casa. Seria lamentável roer a corda justo agora. Falta tão pouco. Ademais, sou uma nulidade na cozinha. (Fazia mais de vinte anos que eu não usava um “ademais”. A última vez tinha sido na redação do vestibular.)
Se não é uma parada de “faça você mesmo” e se você está de regime, amável colunista, por que diacho você fica vendo as fotos de doces e salgados colossais? Uma parte da resposta passa pela singela palavrinha “masoquismo”. Mostro as fotos pra Patrícia bem na hora em que mandávamos ver no doce. Ela tem vontade de jogar o celular na minha cabeça. Mas voltemos ao processo de explicação que estou empreendendo.
As fotos de comidas descomunais chamam minha atenção justamente porque tenho um fraco pela abundância. Lances de barista, sommelier e afins são alienígenas para o meu modo de viver. Não julgo, não tiro sarro. Simplesmente não tenho a devida moderação para degustações sutis. Isso explica porque estou fazendo regime neste momento. Enfim.
Eu tenho o cacoete de fazer umas relações meio nada a ver. Tem hora que é meio bonitinho, meio sagazinho. Tem hora que é um tanto assustador. Eu tento me policiar, mas às vezes escapa. Teve uma fase da minha vida em que eu dizia que o jogador de futebol Palhinha, ídolo do São Paulo nos anos 90, fazia filosofia com os pés. Seus passes eram trecos elevadíssimos. Aí você vai entendendo o tamanho da treta.
Resumindo: sou pirado nas comidas abundantes porque sou pirado na abundância. Isso rola nos vários departamentos da minha vida. Quando alguém faz algo contra a minha ex-roliça pessoa, fico arquitetando vinganças tétricas. Ainda bem que elas sempre ficam no mundo das ideias. Se a pessoa em questão pede desculpas, sou o primeiro a oferecer um abraço apertado. Eu nunca poderia fazer parte de qualquer máfia.
O amor à abundância se espraia pela literatura. Não que eu não valorize os textos magros. Sei bem a dimensão de um João Cabral de Melo Neto. Piro nos contos do Raymond Carver. Mas não me apareça com um Cervantes. Aí eu largo tudo mesmo. Franguinho grelhado faz bem, mas feijoada é feijoada.
Aí você entende porque serei sempre um defensor do Pedro Nava. Sempre acho uma desculpa para voltar às memórias da fera. Agora eu parei porque estava ficando um negócio meio doentio: eu tirava o mês de dezembro para reler os romanções do Tolstói.
E é por conta dessas firulas que eu celebro a publicação do último volume de “Minha luta”, de Karl Ove Knausgard. Finalmente saiu o sexto livro no Brasil. Não erro ao dizer que o Knausgard construiu uma catedral literária autobiográfica. Baixei dias atrás o último livro. É sensacional. Sei que “sensacional” é vago. Entenda: aqui eu não estou fantasiado de crítico literário. Aqui é a tiete falando. Deixo o bisturi para os mais sisudos.
Natal chegando, né? Sei lá se você terá férias nesta maluquice que estamos vivendo. Mas fica a dica: leia os seis livros do Knausgard. Se você achar que é presepada, é só mandar um e-mail me espinafrando. Mas duvido que isso vá acontecer.
Sem exageros: aposto o que você quiser.