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Que não seja conversa mole

26 de Março de 2021 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Lá na escola, não faz muito tempo, um aluno perguntou se eu era o “Nelson que escrevia pro jornal”. O pai dele queria saber. Faz quase dez anos que ocupo este espaço. Juro que o que vou dizer não é firula. Juro mesmo.

Até o início da colaboração com este jornal, nunca tinha imaginado escrever regularmente. Eu respeitava colunistas que tinham a disciplina da escrita regular. É que eu encarava o ato de escrever como algo muito conectado à inspiração. Concepção pra lá de romântica.

Aí fui convidado pra escrever semanalmente. Mistura de empolgação com receio. Eu até que me garantia num texto ou noutro, mas o que fazer para ter pique constantemente? Impossível responder. Decidi tentar assim mesmo.

Comecei meio acadêmico. Eu imaginava que os meus textos poderiam ser instrumentos de incentivo à leitura. Hoje eu os releio e sinto que eles eram um tanto pedantes. Como se eu fosse o leitor iluminado trazendo as novidades à turba ignorante.

Com o passar de algumas semanas, fui diversificando. Arrisquei fazer uma graça aqui e outra ali. Não recebi reclamações. Fui tocando o barco. Meus quase dez anos de coluna semanal revelam fases interessantes. Reconheço que tive fases agressivas. Também dá pra encontrar momentos mais tranquilos. A vida é assim mesmo. Este espaço vem funcionando como uma espécie de sismógrafo.

O mais interessante desses anos todos tem sido a liberdade de que venho desfrutando. Hoje eu sento diante do computador e vou teclando o que me vem à mente. Já faz muito tempo que deixei a solenidade de lado. Às vezes preciso ser lembrado de que estou escrevendo para um jornal e que muita gente lê esta coluna.

Vai ver que esse meu alheamento é defesa. Ignorar o peso da empreitada faz com que tudo corra melhor. É como se eu escrevesse para pouquíssimos leitores. Coisa bem caseira mesmo. Com isso, tudo acabou virando um papo que venho levando com vocês ao longo desses anos.

Releio o que escrevi até agora e percebo que está com cara de despedida. Não é despedida. Peço desculpas se passei essa impressão. Vou colocar a bola no chão: falei do que vem acontecendo ao longo desses quase dez anos porque quero mostrar que me sinto à vontade para falar do que eu quero, sem ficar com medo de parecer bobo ou fútil.

Um dos emblemas dessa tão estimada liberdade que tenho com vocês é poder falar do que estou lendo sem parecer professoral. Nos últimos dias tenho relido algumas coisas do Ruy Castro. O Ruy Castro ou é endeusado ou é massacrado. Sempre gostei do jeito dele. O livro que ele escreveu sobre o Garrincha é um marco na minha vida de leitor. Estou relendo o livro que ele escreveu sobre o Nelson Rodrigues. Continua sendo uma preciosidade. Sei que tem gente que contesta algumas das informações que aparecem ali. Que bom que há pesquisadores neste país! Mas preciso confessar que não estou em busca da exatidão neste momento da minha vida. Eu apenas quero ler alguém que escreva bem. Obrigado, Ruy Castro.

Entre um e outro texto do Ruy Castro, li “Berlim”, HQ escrita e desenhada por Jason Lutes. É um épico da vida de Berlim nos últimos anos da década de 20 e nos primeiros anos da década de 30 do século passado. Obra sensacional. Merece estar ao lado de “Maus”, de Art Spielgman. O horror daqueles anos surge intensamente. E fica a lição de que as tragédias políticas ocorrem porque os pilantras vão testando a resistência da galera aos poucos. Quando acordamos, o estrago é imenso.

Releio os dois últimos parágrafos do texto de hoje e tento antecipar a reação de vocês. A mudança de tom é evidente. Eu até poderia dar uma arrumada, mas vou deixar assim mesmo. A possibilidade de mudar o estilo e o assunto de um parágrafo pra outro é um dos prazeres do ofício que exerço aqui.

Nunca quero perder de vista que isso é o que me faz estar aqui toda semana.