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Progresso?

09 de Outubro de 2020 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Recentemente meus alunos e eu discutimos a respeito de um tema muito interessante na aula de redação: mudança e progresso. Sou sortudo. Eles não me decepcionam. A conversa rendeu, pra variar.

Aí eu pensei: talvez meus leitores se interessem pelo assunto. Não farei aqui uma reunião do que debati com meus alunos. A coisa sairia desengonçada. Como eu costumo dizer, é um tema com várias portas de entrada. Basta que vocês saibam que os exemplos, na discussão com a moçada, vieram da internet, da ciência, da política, da economia, da educação.

Mas tratemos do principal. Mudança é, automaticamente, progresso? Não é uma pergunta besta. Muita gente afirma que a mudança é sempre para melhor. A convicção se intensifica no mundo, digamos, dos objetos.

Nessas horas, o telefone celular é a referência. Muitos que acompanham esta coluna lembram-se dos anos 90. Foi ali que a telefonia celular ganhou corpo no Brasil. Ter um celular não era a mamata que é hoje. Tinha fila para se obter uma linha, por exemplo. E não era uma fila rápida. O aparelho era grandalhão. Servia, vejam só, apenas para telefonemas.

Hoje -- acho pouco provável que vocês discordem -- estamos vivendo na civilização do celular. Parem pra pensar. Quanto da nossa vida está relacionada ao telefone celular? É evidente que essa pergunta só pode ser feita porque os aparelhos de hoje rodam com rapidez a internet. Então seria mais lógico dizer que estamos vivendo na civilização do celular e da internet. Refazendo a pergunta: quanto da nossa vida está relacionada ao telefone celular e à internet?

Cada um responde de um jeito. Falo por mim: muito da minha vida está no celular e na internet. Já passei da fase de lamentar uma coisa dessas. Poderia ser algo mais moderado? Poderia, claro. Mas conheço gente em situação muito pior.

Poder acessar a internet a partir de um aparelho que cabe no meu bolso é sinal automático de progresso? Aí a cuíca ronca. Novamente: cada um responde de um jeito. Oscilo bastante para responder. Depende do momento. Depende do humor. Às vezes a resposta é otimista. Na maioria das vezes é pessimista. Como se eu tivesse na cabeça uma tabelinha de prós e contras.

Prós. Comunicação facilitada: nestes meses malditos, fazer uma chamada de vídeo não é algo típico de filmes futuristas. Acesso a jornais e revistas: sempre serei da turma que valoriza a imprensa tradicional. YouTube: paraíso dos que curtem velharias. Há muitos prós.

Contras. Acho que os contras podem receber a seguinte etiqueta: mau uso de algo que pode ser maravilhoso. Há visitas virtuais sensacionais a museus espalhados pelo mundo. Há a possibilidade de você ver mapas antigos digitalizados. Você pode ver o Louis Armstrong em vídeos de arrepiar. Tem tudo isso, e você vê muita gente gastando a banda larga com selfies de biquinho ou com vídeos de youtubers hipomaníacos.

Ainda no campo dos contras. A maldição das mentiras com verniz de verdade. Muita gente vivendo numa realidade paralela. Isso não é algo leve. Não percam de vista: talvez a vacina pra Covid chegue em pouco tempo. Vai ser barra pesada lidar com a montanha de boatos. Não acho que estou exagerando.

Mais do campo dos contras. A volatilidade de reputações. O queridinho de hoje será o “cancelado” de amanhã. Tem mais: articulação facilitada de grupos extremistas. É um pesadelo. E vai piorar. Podem apostar nisso.

Voltando ao início deste texto: não acho que mudança significa, automaticamente, progresso. Disse isso aos meus alunos. Dizer “depende” não é ficar no muro. Depende mesmo. No meu caso, o pessimismo predomina. Espero que seja diferente com vocês. E espero que os otimistas tenham razão.