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País sangrento

21 de Agosto de 2020 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Em 2019, o instituto IPSOS realizou uma pesquisa que mapeou os principais medos dos brasileiros. O resultado não surpreende: 47% apontaram a violência como o principal fator de angústia. Não surpreende, mas a violência precisa ser verdadeiramente compreendida.

Vivemos num ambiente de medo? A resposta é um categórico “sim”. Basta olhar com um mínimo de atenção para o cenário de várias cidades brasileiras.

Acompanhamos o aumento acelerado de condomínios fechados de diversas modalidades. O apelo desses empreendimentos é inegável. Muitas famílias destinam partes significativas de suas rendas em busca de lugares que ofereçam o mínimo de segurança.

Blindagem de automóveis deixou de ser algo a que apenas os muito ricos têm acesso. Há vários anos as dependências controladas dos shoppings centers vêm substituindo praças e ruas como espaços de lazer. É a crescente privatização dos espaços públicos.

Comenta-se muito a respeito da violência no Brasil, mas de uma forma simplista, estereotipada. Muita gente sintetiza a violência brasileira na atuação do crime organizado. Cenas hollywoodianas em favelas ainda afetam fortemente a percepção da sociedade. Facções como PCC não saem do noticiário. Nos últimos anos, rebeliões promovidas por grupos do crime organizado em presídios tomaram conta da imprensa. De carona com esses elementos espetaculosos, vem a convicção de que policiais bem armados e leis mais severas equacionariam o problema.

Um dado que mostra a complexidade do que vivemos: a taxa de aprisionamento no Brasil. Dentre 222 países pesquisados, o Brasil ocupa a vigésima segunda posição, com 388 pessoas presas para cada 100 mil habitantes. Esse alto número não diminuiu a taxa de homicídios. Inevitável, aqui, a analogia com a medicina. Se considerarmos o aprisionamento como remédio, notamos que a dose vem aumentando dramaticamente nas últimas décadas. O paciente melhorou? Pelo contrário: piorou. E há quem defenda uma dose ainda maior do remédio.

Diante de alguns números, vem a pergunta: por que a violência no Brasil, no imaginário de muita gente, é tão grosseiramente simplificada? Casamento da ignorância com interesses lamentáveis.

Desconhecer todas as camadas da violência é conveniente para alguns grupos. Vender a ideia de que tudo se resume a um traficante atirando com um fuzil na favela soterra, por exemplo, os horrores da violência doméstica. Cria-se, assim, um cenário grosseiro. Os bons contra os maus.

Isso funciona nos filmes de faroeste. Dorme-se em paz com o feminicídio e outras marcas da violência.

Há que se levar em conta, também, os interesses financeiros de alguns setores. O medo rende muito dinheiro para alguns espertalhões. Uma análise do perfil dos políticos que conquistaram muitos votos recentemente mostra que o pânico dos brasileiros é um excelente trampolim.

Enquanto isso, a violência atinge a população de forma desproporcional. As taxas de homicídios entre jovens pobres equiparam-se a territórios em guerra. Os custos -- morais e concretos -- são enormes. O País sentirá com mais força o baque nos próximos anos. O remédio tradicional não está dando conta do recado. É preciso coragem para reconhecer que a direção está equivocada. O imediatismo deve dar lugar à seriedade.

Ou se vira o jogo agora, ou seremos um imenso cemitério.