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O que é bom?

20 de Novembro de 2020 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Sou professor de redação. Sempre ouço a pergunta que vale um milhão de reais: o que é escrever bem? Difícil responder em poucas palavras. Mas vou tentar assim mesmo.

Minha resposta começa com um misterioso “depende”. Depende de um monte de coisas. Depende do gênero textual em jogo. Depende de quem escreve. Depende de quem lê. Essas coisas óbvias que passam despercebidas muitas vezes.

O sujeito precisa saber onde está pisando. Isso serve pra qualquer situação da vida, não? O bom malandro não entra dando pinote no escuro. Impossível esquadrinhar tudo, claro. O imprevisto, dependendo do caso, pode ser um belo tempero. Mas é bom não bobear. E voltemos ao que interessa. O lance da escrita.

O que vou dizer tem cheiro de conselho picareta: você precisa se conhecer minimamente. Eu falei que o cheiro de picaretagem estaria no ar. Mas é que é de uma obviedade do tamanho do antigo Maracanã. Na verdade, você deve se conhecer minimamente e também deve assumir a bronca com a constatação. É que nem sempre ela, a constatação, é agradável.

Falo por mim. No quesito “escrita”, passei um tempão tentando ser meus ídolos. Resultado: textos com fases muito bem definidas. Fase do Rubem Fonseca. Fase do Dalton Trevisan. Fase do Machado de Assis. Vai longe a coisa. Aí, algo interessante aconteceu.

Passei a escrever semanalmente pro jornal. As primeiras colunas mostram o autor tateando. Muitas vezes ele deu com a cara no muro. Muitas vezes ele foi ridículo. Era a safra dos textos mais pomposos, mais metidos a eruditos. Balzac, Flaubert e sua trupe aparecendo forte por aqui. Forma e conteúdo casando-se macabramente. Perdoem a minha inocência de então. Eu achava que aqueles textos divulgariam os grandes autores. Ainda bem que a tendência é a gente ficar menos burro com o tempo. Quero acreditar que é o que rola na maioria das vezes.

A minha esperteza com a escrita veio por acaso. Pura sorte mesmo. Poucas semanas depois da estreia desta coluna, eu estava conversando com uma pessoa que disse o seguinte: “seus textos até que são bons, mas às vezes são difíceis de entender; parei de ler o último no terceiro parágrafo”. Noutras épocas, eu desancaria a pessoa sincera. Sairia com a certeza de que a pessoa interlocutora era ignorante da gema. Ainda bem que não foi assim. O que a pessoa sábia disse foi um bom soco.

Na coluna seguinte, baixei a bola. Deixei de lado Dostoiévski e entrei com tudo num caso engraçado da minha infância. Puro tiro no escuro. Chance gigante de ser demitido. Gracinha demais pro gosto de muita gente, possivelmente. E não é que deu certo? Recebi e-mails gentis. Todos eles elogiando a mudança de rumo.

Aí fui no embalo. Chutei o balde com gosto. Um monte de reminiscências bizarras. Nada que mudasse a cotação do dólar. E os leitores gostaram. Trombavam comigo na rua e comentavam sobre as minhas estripulias. Vejam só que bicho complicado é o homem.

O estilo acabou acompanhando os temas. Fui ficando meio malandrão. As frases encurtaram. As gírias chutaram a porta com gosto. Baita risco. Texto com muita gíria tende a ficar meio canseira. Tem autor que carrega na gíria e o negócio desanda. Dá uma baita vontade de largar na segunda página. É arriscado pra caramba. As gírias que foram aparecendo não eram firulas, juro. Eu simplesmente parei de me policiar quanto ao estilo “refinado”. Queria que os textos autobiográficos deste espaço soassem como conversa sem solenidade.

No meio dessa parada, recebi o maior dos elogios. A Patrícia disse que ler a minha coluna era muito parecido com ouvir as minhas tagarelices. Foi um treco meio epifânico. As bolas estavam caindo nas caçapas certas. Aprendi a reconhecer e a aceitar o meu estilo. Eu falo assim, eu penso assim, é só correr pro abraço.

Nem comecei a arranhar a resposta da pergunta que apareceu logo de cara neste texto. Eu me empolguei com o “quem escreve”. Tem muito mais coisa pra esmiuçar. Não prometo nada pra próxima semana. Pode ser que eu continue o esquema de hoje. Pode ser que dê a louca em mim e eu vá pra outra direção. Agradeço a paciência.