O futuro
Nelson Fonseca Neto - [email protected]
O texto de hoje não descreverá as estripulias do João Pedro, mas foi escrito pensando nele. O nenê vai muito bem. Mama bastante. É sorridente. Dorme que nem uma pedra. Faz gracinhas. Ele vai muito bem.
Quem não vai bem é o mundo. Sei que parece afirmação de pai neurótico. Impossível ter um nenê em casa e não pensar nas coisas ruins com as quais ele terá de lidar mais dia, menos dia. A Patrícia e eu tentamos conduzir essas preocupações na justa medida. Protegemos, mas sabemos que nem sempre será assim. É preferível que ele conheça alguns problemas na idade adequada. Ele não será uma orquídea repousando na estufa.
É mais fácil falar dessas coisas agora, quando o João Pedro nem completou três meses de vida. Quero ver como será quando surgirem as perguntas complicadas, quando ele perceber melhor o mundo ao seu redor. Previsões falham. Pode ser que, na hora da verdade, a gente tente esconder do João Pedro as durezas da vida.
Mas do jeito que as coisas estão caminhando, acho improvável que ele não perceba como a banda toca. Isso vai acontecer daqui alguns anos. O João Pedro verá os frutos do que estamos plantando. Tomara que eu esteja errado, mas serão frutos intragáveis.
É que estamos caprichando na construção de um cenário que menospreza o conhecimento e a ponderação. A performance bombástica rende muito mais que a argumentação sólida. Não sou idiota a ponto de achar que tudo era lindo antigamente. Também era um horror, mas a ignorância e a grosseria apareciam mais envergonhadas. Hoje, pedir calma é sinal de fraqueza. Coisa de desocupado, de gente improdutiva.
Encontramos essa calamidade nas redes sociais. Saber se as redes sociais apenas amplificam ou se criam comportamentos é um ponto interessante. Interessante e complexo. O espaço desta coluna não dá conta do recado. Se é uma coisa ou outra, estudos bem fundamentados circulam por aí. Eles que resolvam o dilema. O que importa, aqui, é algo mais simples: vemos, nas redes sociais, que o barulho e o estereótipo ganham de goleada.
Alguém mais otimista poderia dizer que essas bizarrices se concentram na internet e que, fora dela, tudo vai bem. Juro que admiro tamanha candura. É só sair por aí para perceber que as pessoas estão a cada dia com os dentes mais arreganhados. Isso nunca acaba bem. Quem fabrica arame farpado deve estar gargalhando.
É um cenário que está sendo construindo agora. Nós, os adultos, estamos brincando com fogo. Para aliviar a raiva, estamos jogando gasolina na fogueira. O casamento da ignorância com a raiva resulta em banho de sangue. É a boa e velha teoria da porteira um pouco aberta em ação. Se os responsáveis pela porteira permitem que uma brecha se abra, a boiada estoura tudo rapidinho. Se não condenarmos veementemente os ataques ao estudo sério, à ponderação, ao contraditório, ao pensamento científico e à checagem de informação, instauraremos uma sociedade obscurantista e assassina. Ainda dá tempo para mudar. Mas ele está acabando. Depois, daqui algumas décadas, não adianta bancar o inocente, fingindo não perceber o que está acontecendo.
É claro que isso tudo me deixa preocupado. Eu quero que o João Pedro, quando estiver maiorzinho, tenha liberdade intelectual. Que ele possa ler os livros que tiver vontade sem ouvir gente chata querendo bancar o tutor moral. Que ele possa escolher ser quem ele quiser ser, sem dar satisfação a pessoas que transformam suas frustrações em desejo de palpitar na vida alheia. Eu quero que ele viva num lugar digno, e não na concretização dos sonhos de gente amargurada. Eu quero que ele viva num lugar onde as palavras voltem a ter sentido e não sejam muletas para pensamentos capengas.
E eu quero que a coluna de hoje seja apenas o fruto de caraminholas de um pai melodramático.