Buscar no Cruzeiro

Buscar

Foi ontem

22 de Novembro de 2019 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Aconteceu em 1995. Eu estava almoçando com o meu pai num restaurante chamado Almanara, em São Paulo. Era um dia de semana comum. O restaurante ficava num shopping center. Todas as mesas estavam ocupadas. Muita gente engravatada. Nada parecia fora do lugar.

Até que o telefone celular de um sujeito que estava a poucos metros de nós tocou. Muita gente interrompeu o que estava fazendo. Mas o silêncio gélido e verdadeiro veio quando o sujeito começou a conversar normalmente com a pessoa que havia ligado para ele. Muitos clientes ficaram indignados.

Por que conto essa anedota prosaica? Eu poderia elencar muitos motivos. Prefiro deixar registrado, aqui, o principal: meu susto com a passagem do tempo.

Tenho boa memória. Quase sempre isso é motivo de orgulho. Rende admiração. Mas ter boa memória acaba distorcendo o tempo. Tudo parece que foi ontem. Eu não brinco quando digo que a Copa de 98 ocorreu há pouco tempo. Lembro onde eu estava sentado quando o Galvão Bueno, minutos antes da partida final, disse, com a voz alterada, que o Edmundo jogaria no ligar do Ronaldo.

Lembro da presepada do Roberto Carlos que rendeu um escanteio para a França. Lembro quem estava no churrasco que fizemos no terraço do apartamento de um amigo meu. Lembro das abobrinhas que foram ditas ao longo daquelas horas melancólicas.

Por tudo ser um eterno presente, a gente acaba levando uns sustos. Meus alunos têm entre 15 e 20 anos. Quando resolvo comentar algo do fim dos anos 90 com eles, preciso me dar conta de que eles nem eram nascidos na Copa da França. Alguém precisa dar um beliscão metafórico em mim quando me empolgo nos comentários sobre a eleição do Collor. Puxa, mas parece que foi na semana passada!

Voltando ao almoço no Almanara, em 1995. Alguém usando celular em voz alta era um escândalo. Muito do que sou vem dessa época. É por isso que tenho pavor de conversas no celular. Uso quando é necessário. Quase sempre as conversas são rápidas. Jamais são aos berros.

Tenho o cacoete de colocar a mão na boca enquanto falo. Se for possível, sussurro. Se alguém tirasse uma foto desse momento, pareceria que eu estou enredado numa conspiração das mais cabeludas. Sei que não vou mudar.

Em 1995, eu queria ser economista. Lia tudo o que fosse possível a respeito de taxas de juros e de câmbio. Fiz cursos na Bovespa. Aprendi a ler balanços. Dominava algumas ferramentas para fazer análises mais refinadas do mercado de ações.

Tudo aquilo tinha uma aura de mistério. Observei pregões. Naquele tempo, os operadores se engalfinhavam segurando uns telefones enormes. Era uma baita gritaria.

Hoje eu tenho um perfil no Facebook. Vira e mexe aparecem umas postagens patrocinadas. A maioria delas: vídeos sobre investimentos em ações. Não preciso explicar que as performances ali são típicas de youtubers.

As mãos são frenéticas. A voz é de animação. A voz é de balada depois da terceira caipirinha. Se eu vejo esses vídeos? Opa, claro! Não porque acho que vou aprender algo com aquelas pessoas. É mais por espírito de porco mesmo. É aquele lance de sentir prazer diante da imbecilidade humana.

Claro que num cenário desses, o sujeito que protagoniza o vídeo deve recorrer à performance bombástica. O vídeo precisa ser curto. Abre-se, assim, a jaula da Monga. O meu vídeo predileto mostra um sujeito barbudinho trajando uma camisa terrivelmente apertada.

Ele está ali para provar que fazer uma transação pelo aplicativo é mais rápido e fácil que estourar pipoca. Nessas horas eu imagino um cara comprando loucamente ações enquanto troca a fralda do nenê. Isso sempre termina em desastre. Tratem de se preparar.

Muita coisa mudou para melhor, mas às vezes bate uma saudade do Almanara em 1995. Ô se bate!