Fechar a boca
Nelson Fonseca Neto - [email protected]
Sou glutão. Mando bem nos doces e nos salgados. Sou ousado. Não tenho medo de comidas exóticas. Mas não me confundam com um aventureiro ou com um gourmet. Acho lamentável fazer pose de entendido. Sou cosmopolita quando o assunto é comida, mas sem firulas. Abomino as firulas. Deu pra entender que sou bom de prato. Só isso.
Claro que o corpo sente. Não sou um milagre da genética. Já fui bem magro. Já fui gordão. Já fui gordinho. A idade tem um peso fundamental. Sempre é mais fácil manter a forma quando se tem vinte primaveras. Comigo foi assim. Aos 20, depois de um regimão brabo, eu estava fininho, fininho. Foi fácil manter a forma porque eu jogava bola umas três vezes por semana. E o metabolismo estava tinindo.
Tudo se complicou quando, num lance bobo no futebol de fim de semana, eu arrebentei o ligamento cruzado anterior do joelho direito. Interrompeu-se ali um período de vários anos de exercício físico. Segui, com zelo, o protocolo de recuperação. O joelho ficou ótimo, graças à habilidade do Tulio Cardoso, grande ortopedista e amigo da família. O problema estava na minha birutice. Baita medo de passar por aquele tipo de contusão novamente.
Alguém mais apressado diria: tudo bem, fim da linha pro futebol, mas daria pra fazer exercícios numa academia. Eu bem que tentei. Mantive a linha por alguns meses, mas aquilo não era pra mim. Não farei aqui comentários ácidos a respeito do ambiente de academia. Vamos deixar assim: aquilo não era pra mim.
E assim virei sedentário. Junto veio o desleixo com a alimentação. Junto veio o metabolismo mais lento. Aí, já viu. Nunca mais fiz regime. Foram quase doze anos de farra. Nesse período todo, uma ou outra subida na balança. Saber o quanto eu pesava era um belo exercício especulativo.
Aí veio o João Pedro. Desculpem o clichezão, mas um filho chacoalha um monte de coisas que estavam acomodadinhas. Pra agravar: quando o João Pedro nasceu, no ano passado, eu tinha 41 anos. Não tem jeito: a gente acaba fazendo umas projeções num contexto desses. Não precisa ser um gênio pra concluir algumas coisas. Vamos lá.
Criança costuma ser meio elétrica. O João Pedro é bem ativinho. Ele está na fase de dar uns pinotes. Ele quer mexer em tudo. A gente tem que estar perto o tempo todo. É o máximo, mas é necessário preparo físico. Sem contar que eu quero bater uma bolinha com ele daqui um tempo. Não dá pra fazer essas coisas com a saúde claudicante. E tem mais. Quando ele estiver com 20 anos, a Patrícia e eu estaremos na casa dos 60. Acho que deu pra entender.
Só que as coisas ficaram no campo do discurso por alguns meses. Eu não tenho medo de dizer que a pandemia apressou alguns processos aqui em casa. Sem a pandemia, eu continuaria fumando um maço de cigarros por dia. Sem a pandemia, a orgia de lanches e chocolates continuaria correndo solta. Eu empurraria as medidas necessárias para um futuro remoto. O que seria uma lástima.
Reduzi drasticamente os cigarros. Hoje fumo um cigarro e meio por dia. Podem ficar tranquilos: a curva ainda está em viés de baixa. Logo, logo paro de vez. Faz várias semanas que não como doce e que não bebo refrigerante. Sem qualquer planejamento, eu fui me preparando para o próximo passo, iniciado na semana passada: o regimão barra-pesada. É que não adianta muita coisa cortar o Chokito e mandar ver no bife à milanesa ou no pastel de queijo.
O resultado já vem ocorrendo. Estamos emagrecendo rapidamente. Sem bem que a Patrícia não precisa. Mas ela é solidária e entrou na onda. Antes nossas farras alimentares envolviam pizza e hambúrguer alto sem miséria. Hoje estamos na salada e grelhados. A Patrícia precisa ser estudada. Não conheço ninguém com mais apetite para novos conhecimentos do que ela. Ela já está ficando craque nas saladas. Ela fala de uns nomes bizarros de ingredientes. Ela vê vídeos no Youtube. Ela compra livros pela internet.
Quando essa pandemia desgraçada acabar, vocês verão este cronista dando seus pinotes suarentos nas ruas e avenidas da cidade.