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Crime

08 de Fevereiro de 2019 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Algumas das melhores narrativas têm aparecido na forma de séries de televisão: “The Wire”, “Família Soprano” e “Breaking Bad”. Tratam de universos diferentes, têm estruturas dramáticas diferentes, apresentam personagens diferentes, mas algo as une: o crime. “The Wire” é a autópsia da violência que domina Baltimore. “Família Soprano” é o épico da máfia de New Jersey. “Breaking Bad” é o furacão representado pelo tráfico de drogas sintéticas na cidade de Albuquerque, no Novo México.

Parem um pouco para pensar: quantos dos melhores filmes não revelam os bastidores do crime organizado? A trilogia do “Poderoso Chefão” e os grandes filmes de Martin Scorsese são excelentes respostas. O problema é quando romantizamos a situação.

Não há como negar: o crime faz parte de nossas vidas. Nossa sociedade é violenta e gosta da violência. Há duas maneiras de se lidar com a situação: fingir que entende ou entender de fato. Fingir que entende significa sair falando por aí que a vida é um bangue-bangue protagonizado pelo Al Pacino. Não é tão simples assim. Entender de fato é levar em consideração que a parte barra pesada da coisa muitas vezes acontece em reuniões nada hollywoodianas.

Conhecer mais ou menos é ingenuidade. Conhecer um pedaço do problema não faz a mágica de eliminá-lo. Antes fosse. Tudo seria muito mais sossegado. Só que a vida não funciona dessa maneira.

Poderíamos ir além. Não compreender algo tenebroso é a mesma coisa que alimentá-lo. Quando o assunto é o mundo do crime, visões equivocadas resultam em tragédias. Trata-se de algo que afeta a todos nós. Recorrer aos clichês rende, quando muito, alguns minutos de conversas nas festas.

É que os clichês sempre são simplificações e certezas perigosas. Num cenário assim desenhado, imaginamos que enfrentar a criminalidade é simples. E é simples porque achamos que a humanidade pode ser dividida entre bons e maus, como se a fronteira entre o crime e a legalidade sempre estivesse nítida. Se fosse assim, não teríamos problemas no mundo.

Imaginamos o bandido sempre andando armado, usando uma máscara no rosto, como se fosse um Irmão Metralha. Isso funcionou de forma hilária no gibizinho do Tio Patinhas. Naquelas páginas, o bandido sempre era trapalhão. Só devemos lembrar que gibi é entretenimento. A realidade está muito longe daquilo. É a mesma coisa que achar que o político corrupto entra segurando uma lanterna, na calada da noite, para assaltar o cofre da repartição pública. Só sendo muito tapado para cair numa presepada dessas. Estamos falando de profissionais.

Pesquisas importantes apontam que o crime organizado tem, a partir da lavagem de dinheiro, uma participação aterradora na economia formal. Não são migalhas. Os números chegam a quase um quinto do dinheiro que circula diariamente pelo mundo. Não é à toa que a palavra “organizado” acompanha a palavra “crime”.

Esqueçam as imagens de esconderijos precários. Pensem em quadrilhas organizadas, com integrantes que conhecem legislação tributária e funcionamento de bolsas de valores. São experts. Trabalham diariamente com operações financeiras de nomes complexos. Há quem diga que a economia mundial conheceria uma crise sem precedentes caso o dinheiro do crime organizado evaporasse de uma hora para outra. Quem diz isso não exagera.

Significa que o jogo está perdido? Não, não está. Há que se ter uma mudança de enfoque. Hoje, o combate ao crime organizado é muito mais uma questão de inteligência do que de força. Quem mostra isso de forma categórica é Roberto Saviano no livro “Zero Zero Zero”, obra indispensável para quem acredita que o conhecimento liberta.