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Carta para o Zé Fofinho

16 de Novembro de 2018 às 12:35

Nelson Fonseca Neto

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Prezado Zé Fofinho: peço desculpas por colar um apelido em sua amabilíssima pessoa. Não foi para sacanear, eu juro. Sou daqueles que acreditam que os nomes que damos às coisas e às pessoas vão muito além da superfície. Por exemplo, acho que a minha vida seria diferente se eu me chamasse Clóvis em vez de Nelson. No seu caso, não consigo pensar em outro apelido. “Zé Fofinho” é perfeito. Mistura informalidade com doçura.

Talvez você queira saber dos critérios a que recorro para dizer que alguém é Zé Fofinho. A base de um Zé Fofinho é o desejo de ser gente fina. E você sabe que para ser gente fina o sujeito precisa entender adequadamente o cenário ao seu redor. Ser gente fina é estar atento aos anseios dos que nos cercam. É ser diligente na hora da gentileza. É saber massagear o ego alheio. Com uma base dessas, o Zé Fofinho brilha.

O problema é que o brilho às vezes é demasiado. É um jeito eufemístico de dizer que o Zé Fofinho pode ser meio cansativo. A brincadeira clássica em torno disso é a que menciona o sujeito que diz “saúde” antes de a outra pessoa espirrar. Mas é preciso ir além nesta nossa conversa. O exemplo do espirro é caricato.

Eu ainda escreverei um guia para o Zé Fofinho ser menos Zé Fofinho. Serão palavras de incentivo. A chave será a moderação. O Zé Fofinho tem tudo pra ser um cara bacana. Difícil encontrar maldade em suas palavras ou ações. Ele é o ombro amigo, a voz que atende nossos telefonemas angustiados na madrugada, as mãos que aplaudem qualquer ínfimo sucesso nosso, o namorado que pensa em todos os detalhes românticos (música do Kenny G, pétalas espalhadas pelo quarto, bombons, essas coisas). Ou seja: o Zé Fofinho precisa de alguns ajustes. E só.

Por exemplo, ao receber amigos para um jantar, o Zé Fofinho cuida amorosamente de todos os detalhes. A música de fundo estará de acordo com o clima da festinha. Muita gente: clássicos dos anos 80. Pouca gente: música instrumental. O glorioso Zé Fofinho também é gourmet. As iguarias serão de sua inteira responsabilidade. Vinhos e cervejas artesanais abundarão. A questão do ajuste aqui é a seguinte: precisa esmerar-se nos rococós? Os amendoins precisam estar milimetricamente arrumados, de modo que formem figuras como mandalas? Precisa ter música? Enfim, deu pra entender.

A vida do Zé Fofinho se tornou um banquete por conta das redes sociais. Você sabe bem disso. Há várias formas de exercitar sua ordem no ambiente da internet. Você pode disparar várias fotos e vários vídeos de gatinhos. Ou pode recorrer ao infalível Panda. Ou pode ser menos imagético e sacar trechos de Clarice Lispector, Cora Coralina ou Manoel de Barros. Nos aniversários dos amigos do Facebook, textões repletos de exclamações e caixa alta são a marca da pantera. Pouco importa se o Zé Fofinho mal conheça a pessoa para quem está escrevendo a homenagem. O importante é manter a doçura em alta. É necessário comentar com tanta efusão as coisas desta vida? Uma curtida já não está de bom tamanho? O texto precisa ser tão meloso e hiperbólico? Não dá pra fazer uma coisa mais puxada pro minimalismo?

Acho que o lugar onde o Zé Fofinho se arrisca mais é o elevador. Ali, o glorioso faz questão de puxar papo. Não importa se é bem cedo. Não importa se é segunda-feira. O Zé Fofinho adora fazer perguntas. É que ele ama a humanidade. Mas isso precisa ser controlado. Pode acabar virando chatice. Já vi gente deixando de pegar o elevador ao ver, pela janelinha, que o Zé Fofinho está armado de seu sorriso mais efusivo. O cabelinho milimetricamente penteado também pode espantar a freguesia.

Enfim, esta carta acredita em seu potencial, querido Zé Fofinho. Não mude a sua essência. Ninguém aqui espera que você se torne rude, grosseiro. É só diminuir a intensidade da coisa toda. Lembre-se: a primeira colherada de leite condensado é uma delícia; a lata inteira, insuportável.