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Carta ao sujeito politizado do WhatsApp

05 de Outubro de 2018 às 11:06

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Caro sujeito politizado do WhatsApp: longe de mim querer ofendê-lo. Venho em missão de paz. Acho importante dividir com você algumas reflexões. Fique calmo. Não precisa responder com caixa alta.

Humildemente, acho que você não compreendeu a razão de ser do WhatsApp. Não deixa de ser uma ironia que justamente eu, o cara que usa mal pra caramba as redes sociais, venha dar lições. Entenda: eu só quero ajudar. Repito: acho que você não compreendeu a razão de ser do WhatsApp. Se não estou enganado, o WhatsApp reúne pessoas com algum grau de afinidade. Pode ser a família. Podem ser amigos de longa data. Pode ser uma equipe de trabalho. Espera-se que esses grupos não sejam numerosos. Se eles forem numerosos, a coisa toda vira a jaula da Monga. Pode ser que eu esteja enganado. Só sei que os grupos dos quais participo são formados por poucas pessoas. E é bom que seja assim.

Se o normal é a formação de pequenos grupos, fica fácil saber como cada um dos membros pensa. Em questão de minutos, dá pra saber quem torce pro Palmeiras ou pro São Paulo. É mole saber se a galera gosta de vinho ou de tequila. E assim as coisas caminham.

E é claro que isso se aplica à política. Se as postagens abundam, se as pessoas reagem com a devida rapidez, o cenário fica traçado com nitidez. Não é a coisa mais difícil do mundo saber quem é de direita e quem é de esquerda. Pode ser que eu esteja enganado novamente, mas os grupos que discutem política tendem a ser homogêneos. A turma da direita se une com a turma da direita. A turma da esquerda se une com a turma da esquerda. E é normal que chovam postagens reforçando as posições. Normal, mas pode ser algo problemático.

Por exemplo, corre-se o risco da repetição. É a pregação aos convertidos. Sempre é mais fácil soltar o verbo quando sabemos que as pessoas concordam conosco. Faz bem pro ego. Qualquer coisa que postamos é aplaudida nesses grupos homogêneos de WhatsApp. O problema ocorre quando a gente se empolga e fica postando loucamente. Essas coisas acontecem, e você sabe bem disso. Eu dei essa volta toda pra dizer: às vezes é chato pra caramba. Poucas coisas são mais marcantes do que a chatice. Faça o teste. A gente até tolera o cara meio canalha, mas sai correndo do chato.

Outro risco: pode ser que, num desses grupos, alguém não pense como você. Se você ignora a situação, o drama é atenuado. Quantas vezes a gente não dá bola fora, né? Assim, um pouco mais de atenção pode ser um santo remédio. Desconfie se alguém do grupo não responder com empolgação a uma postagem política sua. Das duas uma: ou o telefone do seu amigo quebrou ou ele não quer responder. Provavelmente é a segunda hipótese. Se isso acontecer, é fácil ajeitar a situação: é só ser um pouco mais controlado na hora de divulgar memes e textos misteriosos.

Agora, pode ser que você saiba o que pensa a pessoa que não interage com você quando o assunto é mensagem política. Juro que não estou fazendo graça, e por isso a pergunta é meio ingênua: você realmente acha que uma avalanche de postagens convencerá aquele que pensa diferente? Há coisas que são conquistadas pela repetição. Um atleta, sei lá, precisa incorporar a repetição aos treinamentos. Só assim se chega à excelência. No WhatsApp, contudo, a repetição é nociva. Aquele que não concorda com você pode achar que você tem algum distúrbio. Pode ser, também, que o efeito seja catastrófico. Sua militância política exacerbada fortalece a oposição. Acho que não é o seu objetivo, não é?

Acho que esta carta descreveu um impasse. Pregar a convertidos não é exatamente a melhor maneira de mudar o mundo. Tentar vencer pelo cansaço só gera irritação. Como desatar o nó? Aposto que você achou que eu iria dizer: pare de postar coisas sobre política no WhatsApp. Se achou que seria assim, errou. Estamos numa democracia, e os posicionamentos devem aparecer. O que eu recomendo é simples: noção.