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A vida em miniatura

28 de Dezembro de 2018 às 00:01

Nelson Fonseca Neto - [email protected]

Não sei se acontece com vocês, mas comigo é batata: com o passar dos anos, venho olhando com muito mais carinho para aquilo que muita gente considera pequeno e inútil. Vai ver é preguiça. Tem um pouco de desilusão também. Isso não me deixa triste. Desilusão não é um treco necessariamente ruim. No meu caso, desilusão é ver as coisas com mais honestidade. Está longe de ser amargura.

Esse processo evita que eu faça papel de bobo. Por exemplo, zero de ilusão com a política. Nada de berrar nas conversas com amigos. Nada de postagens enfáticas nas redes sociais. Não é neutralidade. Isso não existe. Só não me peçam para participar de qualquer manifestação estridente. Nunca farei uma coisa dessas. Já acompanhei algumas eleições e lembro bem dos votos de muita gente. Lembro também do escarcéu que essas pessoas fizeram em defesa de alguns candidatos. Finalmente, lembro como os apoiadores mais entusiasmados, depois que tudo desandou, fingiram que a coisa não era com eles. Sorte dessas pessoas que, em algumas dessas eleições que eu acompanhei, não havia redes sociais. Agora fica mais difícil bancar o coitadinho.

Acabei de escrever que posicionamentos políticos enfáticos não são a minha praia. Tentei ser racional e agradável. Na verdade, minha opinião é mais grosseira: acho que o fanatismo sempre será algo profundamente cafona. O sujeito é cafona quando, no elevador, por alguns segundos, dá um jeito de mostrar como melhorar o país. O sujeito é cafona quando, num jantar entre amigos, resolve subir num palanque metafórico e esbravejar contra os males de nossa terra. O sujeito é cafona quando, nas redes sociais, posta, a cada duas horas, algo relacionado às últimas eleições. O sujeito é cafona quando, para não dar o braço a torcer, defende o que não pode ser defendido. Depois tem uma turma que tira sarro de quem compartilha vídeos de gatinhos e bebês fazendo estripulias. Eu prefiro os gatinhos e os bebês.

Estou escrevendo sobre política, mas queria ir além. O fanatismo político é um exemplo de coisa considerada importante para muita gente. Vejam: desprezo o exagero, e não a participação política. Longe de mim achar que tanto fez, tanto faz. Não percam isso de vista.

Pensando bem, a questão política é um pedaço de algo bem maior: minha aversão a delírios coletivos. Taí uma coisa que sempre me assustou: a multidão. Na arquibancada do campo de futebol, eu nunca cantei junto com a torcida organizada. Até teve uma vez que um torcedor mais exaltado veio tirar satisfação. Ele queria que eu cantasse e pulasse junto com todo mundo. Isso aconteceu aqui em Sorocaba, no CIC, há mais de vinte anos. Qualquer dia desses eu conto como a coisa foi resolvida. Mas eu estava falando da minha aversão a delírios coletivos. Para resumir: no campo de futebol, eu era o sujeito que olhava para o campo, claro, mas que também acompanhava, interessado, o movimento do vendedor de amendoim pelos degraus da arquibancada.

Por desconfiar do que é grandioso, fico bem ressabiado quando algumas pessoas afirmam que tudo será diferente no ano seguinte. Não é assim que a banda toca. Deixo um exemplo aqui. A pessoa passa o ano aporrinhando a família. Semanas e mais semanas de patadas e brigas desnecessárias. Nos últimos dias de dezembro, passa-se a borracha nas sacanagens. A pessoa que azucrinou a família e os amigos esmera-se nas festas. Os discursos nessas festas são emocionados. As fotos felizes abundam nas redes sociais. Os textos mais lindos são escritos. Só que é fogo de palha. É fácil ser gente fina quando é época de todo mundo ser gente fina. No Natal, por exemplo. Quero ver ser gente fina numa segunda-feira, em abril. Quero ver ser gente fina quando a viagem glamourosa não foi tão glamourosa assim.

Essa dificuldade tem a ver com a crença de que tudo tem que ser monumental em nossas vidas. Assim sempre é mais fácil quebrar a cara. O negócio é deixar essas bobagens de lado e ver uns gatinhos e bebês fazendo estripulias na internet.