A revolução difícil
Nelson Fonseca Neto - [email protected]
A revolução nas tecnologias de informação teve desdobramentos em diversas áreas. A maneira como as pessoas se informam certamente sofreu abalos nesse processo. Em linhas gerais, pode-se dizer que o modelo de poucas fontes deu lugar ao cenário de milhares de propagadores. São pessoas e instituições que atuam profissionalmente ou não.
Há várias maneiras de se avaliar o fenômeno. A visão otimista aponta para a democratização da informação. Em décadas anteriores, uma das reclamações recorrentes tinha a ver com o imenso poder na mão de algumas poucas instituições. Hoje, ainda que várias empresas de jornalismo tenham grande peso, a situação é, digamos, mais diluída. Quem acredita que houve avanços aponta que é mais fácil termos acesso a vários pontos de vista. Inegavelmente, várias iniciativas mostram essa saudável diversificação. Vozes excluídas passam a ter maior destaque, e isso sempre será saudável numa sociedade que se diz democrática.
Evidente que toda situação complexa gera seus contrapontos. A visão pessimista do cenário atual mostra várias consequências devastadoras. Uma delas é a erosão da verdade. De acordo com essa constatação, os múltiplos pontos de vista, como têm funcionado atualmente, soterram os fatos. Ou seja, a visão mais sombria diz que fato e opinião se embaralham como nunca atualmente.
Em décadas anteriores, o posicionamento crítico fazia parte da atividade jornalística, mas não com a intensidade de agora. Blogs, perfis de redes sociais e canais do YouTube priorizam o posicionamento do emissor. Há quem veja isso como algo positivo: pelo menos, a opinião não vem disfarçada com o verniz da isenção. Mas há quem veja a abundância de opinião como algo com potencial devastador. Para essas pessoas, o subjetivismo exacerbado serviria como uma imensa cortina de fumaça. Gente oportunista, dos mais variados setores, se aproveitaria da confusão. Escândalos podem ser soterrados com uma simples negação. Evidências graves passam a ser encaradas tão somente como “essa é a sua opinião”.
Há, ainda, outro elemento que torna a análise dos dias atuais mais complexa: a crescente espetacularização no exercício do jornalismo. Os diversos meios de propagação têm como fonte de sobrevivência o número de visualizações e de compartilhamentos. Há quem diga que, hoje, somos muito mais apressados em nossas leituras e que nossa atenção se perde com facilidade. Isso explicaria os textos breves e “polêmicos”. Isso explicaria os vídeos mais agressivos e enfáticos. A ponderação e o equilíbrio seriam fontes de prejuízo. Quando uma sociedade passa a privilegiar a movimentação e não a maturação, injustiças são cometidas. Políticos performáticos passam a tem poderes mais amplos. A arena política é ocupada por quem grita melhor. Tudo em nome de alguns minutos de diversão.
Sempre importante notar que projeções comportam visões utópicas ou distópicas. Os otimistas dirão que as mudanças em curso naturalmente carregam as chamadas “dores do crescimento”. É a convicção de que nem sempre acertamos de primeira. Normal que equívocos ocorram. Depois a sociedade se encarrega dos ajustes. Os pessimistas encaram o que está ocorrendo como o início da catástrofe. Dias piores virão.
Fiquemos, aqui, com a visão mais sombria. É saudável pensar no pior cenário. Eliminamos o risco da decepção. Já é alguma coisa.
E o que seria, em termos mais concretos, esse cenário mais problemático quando o assunto é jornalismo? A morte do jornalismo investigativo. A morte da apuração minuciosa e honesta. O cidadão encarado como uma criança mimada que precisa ser entretida a todo custo. Uma legião de comunicadores fazendo as micagens mais grotescas. A proliferação de “visões alternativas”. Avanços consolidados passando por erosão. (É só imaginar, nos próximos meses, o inferno que viveremos nas disputas envolvendo a vacina X ou a vacina Y. Foi-se o tempo em que campanhas de vacinação geravam resultados notáveis.)
Sempre será saudável desconfiar das pirotecnias e dos discursos sedutores.