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A quebradeira das livrarias

10 de Agosto de 2018 às 10:33

Nelson Fonseca Neto 

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Li, na semana passada, uma reportagem que mostrava o sufoco passado por duas grandes redes de livrarias. Uma delas não vem pagando, há algum tempo, as editoras. A outra pretende fechar 80% das suas lojas. A crise econômica é a justificativa para a dramática retração.

Isso é parte do problema, e eu diria que é a menor parte dele. Tem coisa mais importante: as grandes livrarias erraram a mão. Isso vem de longe. Não escrevo isso com prazer sádico ou querendo bancar o mago do mundo editorial. Não domino as minúcias contábeis do setor. Não passei horas lendo relatórios intrincados. O meu julgamento se dá a partir da observação mais prosaica mesmo.

Como gosto de ler, sou obrigado a frequentar livrarias há vários anos. Nunca encarei livro como fetiche. Não fico babando por edições de luxo. Não acho que livraria é lugar sagrado. Meu programa favorito não é passar horas arrastadas perambulando por livrarias enormes. Eu diria que é até o contrário. Começo a ficar incomodado depois de alguns minutos. Difícil suportar muita gente andando ao seu lado ou falando alto. Não tenho habilidade para ficar me desviando de pessoas deitadas em almofadas ou sentadas no corredor de um dos setores. Quase sempre as cafeterias dessas livrarias grandes enfiam a faca e torcem o cabo. Eu simplesmente vou a esses lugares por falta de alternativa. Comprar pela internet está fora de cogitação. Sempre acho que tem alguém do outro lado da tela prontinho para dar o golpe.

Crédito da foto: Adival B. Pinto / Arquivo JCS (28/06/2013)

Eu peço pouco a uma livraria. Quero que o acervo seja robusto. Quero encontrar editoras menores que lançam livros bacanas. Quero que os funcionários, na hora de procurar um título no sistema, não confundam "Tolstói" com "Toy Story".

Quero que a música ambiente seja abolida. Quero que os outros clientes sejam silenciosos, e não pessoas entupidas de endorfina berrando quando encontram o livro desejado. Também não quero ouvir resenhas estapafúrdias ou carteiradas supostamente eruditas. O mundo já é barulhento demais.

As duas redes de livrarias que eu mencionei no primeiro parágrafo apostaram alto nas lojas que parecem baladas, nas lojas que aguçam o fetiche da galera, nas lojas em que o pessoal vai para ver e ser visto. Lojas perfeitas para selfies sofisticadas. Vai muita gente nesses lugares? Vai, e muita. O problema é comprar o livro. É só reparar nas filas dos caixas. Tirando o Natal, as filas são bem tranquilas. Eu acho que você já tentou avaliar o custo para se manter um mastodonte desses. Faltou humildade, sobrou cafonice e deslumbramento. E agora o bicho está pegando.

As pessoas não compram os livros porque eles são caros, certo? Não é tão simples responder. Seria fácil jogar pra torcida e dizer que o vilão é o preço dos livros. Claro que tudo poderia ser mais barato. Se houvesse um barateamento drástico, as vendas subiriam, mas não do jeito que muitas pessoas imaginam. Não precisa ser um gênio para constatar que a nossa educação medonha não forma leitores. Muito mais sedutor é ver e fazer uns vídeos toscos no YouTube. E se você acha que está tudo uma porcaria, é melhor se precaver para o que vem por aí. Ninguém aniquila as escolas impunemente. A fatura chegará, e será logo. Antes que alguém diga que estou olhando amargamente para a pobreza, quero deixar claro que a nossa educação falida atinge a todos, ricos e pobres. Já chegou a hora de achar que o cara que pilota o carrão obrigatoriamente lê pra caramba. Não lê, você sabe disso, mas às vezes tem medo de reconhecer.

Ainda sobre poder aquisitivo: cansei de ver gente que paga uma grana por um hambúrguer gourmet e chora quando descobre que tal livro custa cinquenta reais. Gosto é gosto, e cada um faz aquilo que dá mais prazer. Só não pode sair por aí bradando que o livro é caro. Um jantar para o meigo casal no restaurante japonês rende, brincando, uns três livros. E muitos meigos casais não podem passar uma semana sem ir ao restaurante japonês. Mas podem passar meses desfilando pela livraria grande, sem contar um livrinho sequer. Eu também gosto de restaurante japonês, mas a diferença é que eu aprendi a não importunar o meu semelhante. Pense no seguinte: se o restaurante japonês passasse a ser quinzenal, alternando com compras de livros, as livrarias não dariam calotes e não fechariam unidades, jogando muita gente no pesadelo do desemprego.

Era uma tragédia anunciada.

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