Editorial
Justiça não é instrumento de vingança
A morte de Cleriston foi denunciada, semana passada, por deputados e senadores da oposição no Congresso Nacional
Neste domingo, 26 de novembro, milhares de brasileiros, vestidos de verde-amarelo, tomaram boa parte da avenida Paulista, em São Paulo, para protestar. Eles queriam mostrar a indignação de parte da população com a morte prematura de Cleriston Pereira da Cunha. Ele estava preso, desde 8 de janeiro, sem julgamento, no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Suspeito de ter participado dos ataques à Praça dos Três Poderes, um dia antes, Cleriston foi encarcerado mesmo sendo portador de uma série de doenças. A defesa dele alertou, diversas vezes, o Supremo Tribunal Federal (STF), mas os apelos foram em vão e o que era previsto, aconteceu. A frágil saúde de Cleriston não suportou o longo tempo de cárcere e ele morreu no dia 20 de novembro.
O mais trágico, em toda essa história, é que desde 7 de novembro, duas semanas antes da morte dele, a defesa havia solicitado ao ministro Alexandre de Moraes a soltura. Segundo o advogado Bruno Azevedo de Sousa, Cleriston tinha parecer favorável da Procuradoria-Geral da República, responsável pelo processo acusatório no País, mas o pedido ficou parado numa das centenas de gavetas do STF e sequer foi julgado.
A morte de Cleriston foi denunciada, semana passada, por deputados e senadores da oposição no Congresso Nacional. Em discursos inflamados, os parlamentares relataram os dois pesos e duas medidas que estão sendo aplicados pela Justiça brasileira em vários casos julgados. O deputado Nikolas Ferreira, por exemplo, denunciou na tribuna da Câmara o tratamento desumano que vários conservadores estão recebendo nos últimos meses. Ele destacou também que enquanto bandidos perigosos, responsáveis por várias mortes e por comandar facções criminosas, são libertados pela Justiça, pessoas de bem, trabalhadores e aposentados, são tratados como implacáveis terroristas.
Diante de tanta repercussão, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, em sessão da Corte na quarta-feira, 22, manifestou solidariedade à família de Cleriston. Ele reconheceu que o sistema de Justiça brasileiro falhou. “Toda perda de vida humana, ainda mais quando se encontra sob custódia do Estado brasileiro, deve ser lamentada com sentimento sincero”, disse o ministro, em nome do Tribunal.
Barroso garantiu, ainda, que o ministro Alexandre de Moraes, relator das ações penais decorrentes das manifestações antidemocráticas, determinou a apuração rigorosa das circunstâncias em que ocorreu a morte.
O presidente do STF também lembrou que o tribunal elencou, este ano, a violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro e determinou a elaboração de um plano para melhorar a situação.
Desde a morte de Cleriston, vários outros presos do dia 8 de janeiro começaram a ser libertados pelo STF. De quarta a sexta-feira foram oito os beneficiados com a liberdade provisória. Um sinal claro que muitos processos estavam parados, indevidamente, nos escaninhos do STF.
As manifestações desse domingo, que reuniram milhares de pessoas em São Paulo e em outras cidades como Rio de Janeiro, Florianópolis e Salvador, servem de alerta à Justiça que a população está atenta a tudo que está sendo feito. É um recado também aos políticos que não estão fazendo a sua parte na hora de impedir as injustiças contra A ou B.
São 108 brasileiros que ainda estão presos na Papuda, sem julgamento, desde 8 de janeiro. A torcida agora é que a situação deles seja revista, com rapidez, e só permaneçam encarcerados aqueles que realmente cometeram crimes graves. A Justiça deve ser igual para todos e não um projeto de vingança contra aqueles que pensam de forma diferente de quem está no poder.