Eleição
Argentina deve ter 2º turno duro entre Milei e Massa
Analistas preveem um quadro difícil no curto prazo para o país, seja qual for o vencedor, e também ressaltam a incerteza sobre o resultado
Os argentinos vão novamente às urnas neste domingo (19) para o segundo turno entre o governista e atual ministro da Economia, Sergio Massa (Unión por La Pátria), e o ultralibertário Javier Milei (La Libertad Avanza). Analistas preveem um quadro difícil no curto prazo para o país, seja qual for o vencedor, e também ressaltam a incerteza sobre o resultado.
No primeiro turno, Massa foi a surpresa, ao ficar em primeiro lugar, contrariando a maioria das pesquisas que o colocavam em segundo. O governista teve 36,78% dos votos válidos, e Milei levou 29,99%. A terceira colocada foi Patricia Bullrich, com 23,81% dos votos válidos. Dias após o primeiro turno, a ex-ministra da Segurança declarou apoio a Milei. Agora, várias pesquisas apontam para uma disputa acirrada no dia 19, e alguns analistas advertem sobre a falta de confiabilidade das sondagens no país. O vencedor assume em 10 de dezembro, mas o quadro econômico e financeiro é tão delicado que é preciso estar atento aos riscos de turbulências no curtíssimo prazo, nos últimos dias da administração de Alberto Fernández.
O cenário na economia não teve muitas mudanças desde o primeiro turno, com a inflação ainda como uma das principais preocupações do mercado. Na leitura de outubro, o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) informou que o índice de preços ao consumidor teve crescimento de 8,3% em outubro ante setembro, avançando 142,7% na leitura anual.
Segundo analistas, as pesquisas de fato devem ser vistas com cautela, ao não terem conseguido em geral captar o quadro tanto nas primárias realizadas em agosto quanto no primeiro turno, em outubro. Além disso, para além do resultado, o rumo dos mercados será determinado pelas primeiras sinalizações do vencedor, seja ele Massa ou Milei, avaliam.
Economista-chefe para América Latina na Pantheon, Andres Abadia comenta ao Broadcast que, obviamente, o cenário imediato após a eleição dependerá do resultado. Segundo ele, caso Massa vença, o governo evitará uma grande desvalorização, "pelo menos no curtíssimo prazo". Mas o dólar blue deve estar com forte pressão de alta, no mercado paralelo frente ao peso, e manter a taxa de câmbio oficial estável "será um grande desafio". Nesta quarta-feira (15), o governo anunciou ajuste para cima na cotação do dólar ante o peso oficial. Com a manutenção do ministro atual no poder, Abadia considera que a perspectiva do país "será sombria", com inflação mais alta, deterioração econômica mais pronunciada e maior volatilidade financeira. "Isso significa mais pobreza e tensões sociais", resume.
Já em caso de vitória de Milei, o analista da Pantheon considera que "nós devemos provavelmente sofrer toda essa crise econômica no curto prazo, mas com a única diferença de que o governo provavelmente fará uma forte desvalorização do peso". Abadia diz que isso significa mais pressões inflacionárias no curto prazo, mas vê perspectiva no médio prazo "provavelmente menos sombria".
A Pantheon vê ainda a disputa em aberto, diante da incerteza com as pesquisas. Ela aponta a aliança de Milei com o grupo do ex-presidente Mauricio Macri como capaz de dar a ele "uma vantagem marginal", com Massa prejudicado pelos números da inflação. Mas também acrescenta que o elevado número de indecisos reforça que "tudo pode acontecer", com Massa ainda tendo "boas chances de vencer".
Na visão do diretor de Pesquisa Macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, o vencedor, seja quem for, terá enormes desafios, por encontrar um banco central com reservas negativas, uma inflação que continua acelerando e um câmbio altamente desalinhado.
O economista destaca que qualquer dos candidatos poderá conseguir levar o mercado a subir ou a se estressar, a depender das definições mais claras da macropolítica que, segundo ele, ainda não estão muito bem definidas por nenhum dos dois candidatos. Para Ramos, o início do próximo governo deverá ficar em uma espécie de piloto automático, em que não haverá um controle da trajetória da economia, "tal o tamanho do desequilíbrio que temos hoje".
Em relatório desta quinta-feira (16), a Capital Economics afirmava que o risco de um calote nos próximos anos da Argentina era "substancial", seja quem ganhe o segundo turno deste domingo (19). A consultoria menciona o esforço para ampliar a receita com a exploração de xisto, com avanços na produção nas reservas de Vaca Muerta, mas acrescenta que ainda assim os desafios do país "seguem vastos", com um calote que "parece ser questão de tempo, seja quem ganhe a eleição presidencial".
A gestora de investimentos local IEB via os mercados do país mais preparados para uma vitória de Massa, embora acrescente, em relatório, que nos últimos dias eles passavam a precificar o quadro mais disputado. A IEB, ao olhar o mercado acionário, via duas rotas possíveis para a bolsa: em caso de vitória de Massa, seria possível pensar em aumentar exposição ao setor bancário, "fortemente atrasado em comparação com outros setores do S&P Merval". Já se Milei vence, uma "carteira de cobertura" é apontada como mais adequada, com exposição limitada ao setor bancário. No médio prazo, claro, o cenário dependerá das medidas do próximo governo. A IEB diz que um governo Massa mais ortodoxo apoiaria o mercado acionário local, e um governo Milei mais moderado teria o mesmo efeito. Já Massa fazendo uma administração de continuidade com a atual pesaria nas ações, o que também ocorreria na versão "disruptiva" de Milei, que teria dificuldades para governar.
Diretor da área de economia da Fundar e professor na Universidade Nacional de San Martín (UNSAM), Guido Zack considera que Milei lança uma série de propostas que são "impraticáveis para a economia argentina", no quadro atual, como a ideia de dolarização. A pergunta natural, segundo o analista, é saber o que de fato o oposicionista faria. "Para dolarizar é preciso ter dólares, que é justamente o que não há atualmente na Argentina, atualmente temos reservas líquidas negativas no banco central", recorda.
Zack diz que, basicamente, não seria uma ideia deixar a política monetária a reboque de outros países, no caso dos EUA. Além disso, recorda que, no caso do dolarizado Equador, por exemplo, a economia está muito dependendo dos preços do petróleo e já passou por duas reestruturações de dívida, caminhando para uma terceira. "Se a Argentina tem um problema de crise fiscal, a dolarização não resolve isso", resume.
Em relação a Massa, Zack diz que ele tem evitado o tema da economia na campanha, "basicamente porque ela está muito mal e ele é o candidato a presidente" do governismo. Nessa lógica, deu poucas pistas do que seria sua plataforma econômica. Massa falou na necessidade de equilíbrio fiscal. "Parece que há consenso nesse sentido, mas, quando se começa a observar as medidas específicas, há várias que implicam aumento de gasto", adverte. Na avaliação de Zack, há também em jogo questões muito importantes, além da econômica, e vê como "muito preocupante" a postura de Milei e seu partido em relação a questões de direitos humanos e à democracia, bem como uma "reivindicação do regime militar" e ameaças de seu grupo político a pautas como direito ao aborto e ao casamento igualitário. (Estadão Conteúdo)