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Economia

Em um ano de crise, Americanas perdeu 93% do valor de mercado e demitiu 5 mil pessoas

Hoje, a varejista está menor e, para tentar driblar as dificuldades, aposta na força das lojas físicas e em uma mudança no digital

11 de Janeiro de 2024 às 11:48
Cruzeiro do Sul [email protected]
Desde o início da crise, a Americanas já perdeu 93% do seu valor de mercado e demitiu 5 mil funcionários
Desde o início da crise, a Americanas já perdeu 93% do seu valor de mercado e demitiu 5 mil funcionários (Crédito: Depositphotos)

No início de 2023, o mercado esperava que o ex-banqueiro Sergio Rial fizesse uma revolução na Americanas. No entanto, em 11 de janeiro, poucos dias após assumir o cargo de presidente, o executivo surpreendeu a todos ao anunciar sua renúncia, após a descoberta de um rombo estimado em R$ 20 bilhões. Um ano depois do caos causado pelas revelações, a Americanas conseguiu sobreviver e fechou um acordo costurado a duras penas com os credores, mas, hoje, é uma rede de varejo menor, que aposta na força das lojas físicas e em uma mudança no digital, mais abalado pela crise.

Responsável por 13% das vendas pela internet no Brasil ao final de 2022, a Americanas chegou a cair para apenas 4,3% no pior momento do ano passado. "Sofremos uma baque no digital na partida, viemos recuperando parte disso ao longo de 2023, mas ainda muito distante dos patamares de 2022?, disse o presidente da Americanas, Leonardo Coelho. A redução nas vendas físicas, porém, foi menor, o que deu um certo fôlego à rede.

A Americanas nasceu um mês antes da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. E, 94 anos após o evento que desencadeou a maior crise financeira global, a varejista protagonizou o maior escândalo contábil privado da história brasileira. O caso colocou três dos maiores empreendedores do País no olho do furacão: os bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, acionistas de referência da companhia.

O trio assumiu a empresa em 1982. Comandou uma revolução que transformou a Americanas em uma das maiores varejistas do País, investida replicada no varejo on-line a partir de 2006, ano da fusão entre a Americanas.com e o Submarino, que criou a B2W.

Na década seguinte, a B2W competiu fortemente com rivais como Magazine Luiza e Casas Bahia (então Via Varejo) pelo posto de campeã do e-commerce no País, mas suscitava dúvidas no mercado. A empresa operava no vermelho desde 2011, e para financiar a expansão, recorreu a diversos aumentos de capital, o último deles na pandemia, corrida que pode ter ajudado a ampliar o rombo.

No auge, em agosto de 2020, a empresa chegou a valer mais de R$ 111 bilhões. Entretanto, com a alta dos juros, o setor de varejo perdeu ímpeto, e o valor caiu. Parte da perda foi recuperada a partir de agosto de 2022, quando Rial foi anunciado. Em 11 de janeiro do ano passado, valia R$ 10,8 bilhões. Mas, após a crise, esse número despencou. Hoje, a Americanas vale R$ 776 milhões - uma queda de 93%.

Conversas difíceis

Inicialmente, a varejista recusou o uso do termo fraude para explicar as causas do rombo, mas após os resultados de uma investigação independente, acabou adotando o termo e chegou à conclusão de que o rombo era maior, de R$ 25,2 bilhões.

As primeiras conversas com os bancos, principais credores, foram tensas: as instituições, em especial, o BTG Pactual e o Bradesco, partiram para o ataque, não poupando críticas ao trio de acionistas, acusados de saberem dos problemas na rede. Foi preciso quase um ano de reuniões e acertos para um acordo ser fechado, com o compromisso de que não haja litígios.

Em meio à crise, a Americanas viu o caixa minguar para cerca de R$ 800 milhões. Sobreviveu graças à recuperação judicial e a um empréstimo DIP (debtor-in-possession, concedido a empresas em dificuldades) de R$ 2 bilhões feito pelo trio, que evitou a necessidade de vender ativos a preços baixos ou de contrair empréstimos mais caros, concedidos a empresas em crise.

No acordo fechado, os bancos converterão quase 80% de suas dívidas em ações e o trio de acionistas vai colocar R$ 12 bilhões no grupo, incluído o DIP, em um aporte total de R$ 24 bilhões. Com esse desenho, os bancos e os acionistas de referência deterão 98% do capital da Americanas.

Daqui em diante

Após a crise e com um balanço saneado, a Americanas deve focar no retorno às origens da operação física. Coelho define essa etapa como uma retomada da simplicidade: o consumidor vai à Americanas porque sabe que lá vai encontrar o que procura, mesmo quando não tem certeza do que quer, diz.

"A primeira parte do que a Americanas vai ser é o varejo do sortimento do Brasil", afirma. No digital, a companhia manterá no estoque próprio apenas o que espelhar os produtos presentes nas lojas físicas. O restante será repassado a terceiros, que vão vender por meio dos sites do grupo.

A competição segue acirrada, mas a crise da companhia levou a uma mudança na configuração do setor. Dados da consultoria SimilarWeb compilados pelo BTG apontam que a audiência perdida pelos sites da Americanas migrou para dois titãs internacionais, o Mercado Livre e a Amazon.

A Americanas reduziu o contingente de funcionários de 43,2 mil, em janeiro de 2023, para 32,5 mil, em dezembro. A empresa, diz, porém, que a redução líquida no período é de cerca de 5 mil empregados, excluídos os efeitos sazonais típicos do varejo, que contrata muitos funcionários temporários em finais de ano. Boa parte da reestruturação feita no ano passado foi no digital, com a redução de centros de distribuição, mas segundo Coelho, a cúpula também ficou menor.

Hoje, além dele, a diretoria da Americanas conta apenas com a diretora Financeira e de Relações com Investidores, Camille Faria. Os dois entraram após a recuperação judicial, diante do afastamento de antigos diretores, implicados na investigação da fraude. Até janeiro do ano passado, a companhia tinha quatro diretores além do presidente, divididos por área de atuação.

Delação e cooperação

Se financeira e operacionalmente a Americanas conseguiu sobreviver ao turbulento ano de 2023, o rombo ainda deve gerar ruído. Ex-diretores da companhia fecharam em agosto um acordo de delação premiada e, em uma estratégia inédita para investigar uma empresa, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fechou acordo com pessoas envolvidas no caso Americanas em busca de cooperação para apurar o que ocorreu.

Em outra frente de investigação, o Comitê Independente criado pelo conselho de administração para apurar as circunstâncias que ocasionaram a fraude ainda não revelou o resultado de seu trabalho e, em dezembro, disse que a publicação de um documento preliminar poderia levar a "juízos preliminares inadequados".

Procurado, o ex-presidente da empresa, Sergio Rial, que tornou pública a fraude, não se manifestou. (Estadão Conteúdo)