Economia
Guerra deve impulsionar energia limpa
Hidrogênio, energia solar e eólica são fontes importantes na transição energética para os próximos anos
A elevada dependência da Europa pela energia russa será o combustível para o mundo acelerar a transição energética nos próximos anos. Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, algumas medidas já apontam para mudanças significativas na geopolítica energética do mundo, a exemplo da parceria anunciada na última semana entre Estados Unidos e União Europeia. O plano é exportar gás natural liquefeito (GNL) americano para suprir a demanda europeia e reduzir as compras da Rússia.
Especialistas afirmam que, historicamente, conflitos como o atual têm potencial para provocar grandes transformações na sociedade. Mas, desta vez, o movimento será mais complexo. Ao mesmo tempo que vários países já começam a acelerar novas tecnologias para substituir o petróleo e cumprir as metas de descarbonização, eles também estão recorrendo a fontes tradicionais, demonizadas no passado, como o carvão. Há também iniciativas para postergar o desligamento de unidades nucleares. No curto prazo, a ordem é garantir a segurança energética da população.
Na avaliação de especialistas, a transição energética, que até então era um dos assuntos mais relevantes do mundo, não deixará de ser pauta. Mas esse processo terá muitos avanços e retrocessos.
No longo prazo, a corrida por novas tecnologias pode antecipar em quatro ou cinco anos a redução da dependência do combustível da Rússia. Nesse cenário, os veículos elétricos devem ganhar mais competitividade diante da volatilidade do petróleo, que chegou a bater US$ 140 o barril no início do mês e continua com o preço elevado. A mobilidade elétrica pode aumentar sua participação no mundo, ganhar preços mais populares e acelerar a infraestrutura necessária para crescer.
O hidrogênio verde, produzido por meio da eletrólise da água, que separa o hidrogênio do oxigênio, também vai ganhar novo impulso diante do agravamento do conflito. Chamadas mundiais para criar núcleos de produção de hidrogênio já começam a espocar na Europa, diz a professora do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos, Lucia Helena Mascaro, que trabalha no desenvolvimento de catalisadores para reduzir o consumo de energia no processo de separação do hidrogênio do oxigênio.
Antes de o conflito ter início, já havia quase 360 projetos para a produção de hidrogênio verde em grande escala no mundo, o que somava US$ 150 bilhões em investimentos, segundo a consultoria McKinsey. Se o número já era considerado o começo de uma revolução, o montante esperado para agora tem potencial para tornar esse combustível mais competitivo e viável.
Outro desafio é encontrar alternativas de transporte do hidrogênio. Um dos métodos avaliados pelo mercado é transformar o hidrogênio em amônia e transportá-la em navios por grandes distâncias. No destino, a amônia verde pode ser usada diretamente na indústria, como na fabricação de fertilizantes, ou transformada novamente em hidrogênio. O produto também pode ser transportado na forma de gás comprimido ou liquefeito. Encontrar a solução para essas questões significa baratear o custo.
O Brasil, por causa do potencial nas duas fontes elétricas, pode se tornar um grande fornecedor de hidrogênio para o mundo -- calcula-se que, para se aproveitar desse mercado, seria necessário dobrar a capacidade atual da matriz elétrica brasileira, de cerca de 180 gigawatts, só com energia limpa.
Na avaliação de Anderson Dutra, sócio da KPMG, no Brasil a situação é um pouco diferente. Como a matriz já é sustentável (48% da matriz energética e 80% da matriz elétrica), o pré-sal deve ser ainda bastante explorado. O gás natural, afirma o executivo, deve ser a base dessa transição. Além de garantir segurança, por não ser intermitente como eólica e solar, é menos poluente.
O gás e as energias eólica e solar vão receber muitos investimentos, afirma . “O conflito fortalece a corrida pelas renováveis e pela segurança energética. Muitos entenderam que ter produção interna é questão de soberania nacional”, diz a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum. “Mas temos de ter em mente que essa é uma pauta de longo prazo.” (Estadão Conteúdo)