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Hesitação do governo brasileiro com Ortega divide base de Lula
A hesitação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em condenar no Conselho de Direitos Humanos da ONU as violações dos direitos humanos cometidas pelo regime de Daniel Ortega, na Nicarágua, criou ruído na base aliada e desafios à diplomacia brasileira.
O Brasil decidiu não aderir a uma declaração de 54 países, na última sexta-feira (3), com sanções ao regime de Ortega e permaneceu em silêncio perante a comunidade internacional. Uma resposta brasileira só veio quatro dias depois, diante da reação interna e externa, o que mostra o desconforto gerado no governo Lula com o assunto.
Na quinta-feira (9), o PSB -- partido do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin -- aprovou uma nota de repúdio à ditadura da Nicarágua. O texto defende a democracia como valor universal e afirma que não se pode ficar indiferente ao que chama de “flagrantes violações de direitos humanos, detenções arbitrárias, julgamentos e execuções sumárias, assassinatos e tortura contra dissidentes políticos do regime”. Mesmo no PT, o tema causou discussão.
Presidente do diretório estadual do Rio e integrante da executiva do partido, Alberto Cantalice disse à reportagem não aceitar a prisão de um bispo católico, como Ortega fez. Em fevereiro, o bispo nicaraguense Rolando Álvarez Lagos foi condenado a 26 anos de prisão como “traidor da Pátria”. O prelado se recusou a embarcar no avião em que Ortega colocou 222 opositores para despachá-los aos EUA.
“Isso é ação ditatorial. Ao se intitular de esquerda, Ortega põe uma mácula sobre nosso ideário”, disse. Para Cantalice, a esquerda brasileira -- principalmente os setores mais importantes -- precisa revalorizar o papel da democracia e colocá-la como “questão principal, pois é isso que vai nos fazer avançar como Nação moderna”. Em rede social, ele chamou Ortega e o venezuelano Nicolás Maduro de “uns merdas”.
A publicação despertou reações. O historiador Valter Pomar, da Fundação Perseu Abramo, escreveu em seu blog que, ao usar essa linguagem, Cantalice se candidatava “a ser tratado como gusano”. Gusano é um tipo de verme. O termo é usado pelos comunistas cubanos para designar opositores do regime.
“Ditadura grosseira”
O papa Francisco qualificou ontem (10) o regime da Nicarágua como uma “ditadura grosseira” e declarou que o presidente Daniel Ortega tem um “desequilíbrio”, em entrevista ao jornal online argentino Infobae. As declarações do pontífice foram feitas dias após o governo do país centro-americano decidir fechar as universidades vinculadas à Igreja Católica.
“Com muito respeito, não me resta senão pensar em um desequilíbrio da pessoa que lidera”, disse Francisco, referindo-se a Ortega, no poder desde 2007 e reeleito sucessivamente em votações questionadas. Na entrevista, o papa argentino fez referência, sem nomeá-lo, ao bispo católico Rolando Álvarez, condenado em fevereiro a 26 anos de prisão.
“É como trazer de volta a ditadura comunista de 1917 ou a ditadura de Hitler de 1935 (...) São tipos de ditaduras grosseiras”, afirmou o santo padre. (AFP)