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Juíza absolve universitário negro acusado de levar drogas na mochila
Desde o começo das investigações, a defesa de Apolinário afirma que o flagrante da Polícia Militar foi forjado
A juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição, da 11ª Vara Criminal do foro da Barra Funda, absolveu das acusações de tráfico de drogas o estudante negro Gabriel Apolinário Ribeiro, que foi abordado e preso em uma abordagem policial em 13 de julho de 2020, no Jardim São Luis, zona sul de São Paulo. A decisão foi publicada nesta segunda-feira, 22, e também absolve o outro acusado, Marcelo Julio dos Santos. A magistrada viu contradições nos depoimentos dos policiais militares responsáveis pela detenção dos dois réus.
Na época da prisão, de acordo com a denúncia, "policiais militares, apurando notícia anônima de tráfico de drogas no local, conhecido como ponto de venda de drogas, para lá se encaminharam, e, lá chegando, depararam com os indiciados em atitude suspeita, razão pela qual decidiram abordá-los". Santos foi acusado de estar em posse de 20 porções de cocaína e de 14 pedras de crack, enquanto Apolinario teria, segundo o texto da denúncia, indicado um matagal onde estava escondida uma mochila com 487 supositórios com cocaína e 20 embalagens de maconha, que pertenceria a operações de tráfico.
A peça, assinada pelo promotor de justiça Luís Guilherme Sampaio Garcia, pede a condenação de ambos pelo crime de tráfico de drogas e arrola como testemunhas apenas os dois policiais militares indicados como responsáveis pelo flagrante, Alex Bezerra da Silva e Hermes Vicente Ferreira Neto. Na época, Apolinário tinha 18 anos e cursava marketing. Ele chegou a ficar dois meses preso e conseguiu responder ao processo em liberdade depois de um recurso direcionado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Desde o começo das investigações, a defesa de Apolinário afirma que o flagrante foi forjado. Bruno Borragine, advogado que representou Apolinário, afirma que "desde a primeira análise do caso que a gente verificou que havia um enorme abuso policial". No processo, a defesa apresentou prints de conversas que o jovem teria tido com um amigo uma semana antes da sua prisão, no dia 6 de julho, nas quais conta que foi ameaçado por policiais militares no mesmo ponto onde foi detido no dia 13. Ele diz ao amigo que os policiais teriam encostado uma arma na sua barriga e mostrado entorpecentes dentro da viatura, que seriam usados para incriminá-lo.
No dia da abordagem, Apolinário e Santos afirmam, por meio de suas defesas, que foram detidos em horários e locais distintos e que nenhum dos dois portava dinheiro ou drogas ilícitas. Eles teriam sido reunidos já dentro da viatura policial, meio pelo qual foram conduzidos à delegacia.
Durante a audiência de instrução, os policiais militares teriam prestado depoimentos contraditórios. Como afirma a sentença, Silva confirmou que estava "fazendo a segurança das motocicletas da equipe policial" na hora da abordagem e Neto "em momento algum citou a participação de seu parceiro".
A juíza responsável pela sentença também acolheu os álibis dos dois réus. Como explica Borragine, o estudante estava operando na Bolsa de Valores minutos antes da abordagem e saiu para se exercitar. "A câmera de segurança do prédio onde ele morava mostra ele correndo com fone de ouvido", explica. O outro réu, Silva, comprovou através do depoimento de testemunhas que estava em casa pouco antes da abordagem, e não vendendo entorpecentes no ponto em que os policiais alegam terem o detido.
A mesma testemunha que afirmou que Santos estava em casa no dia em que foi preso confirmou durante a audiência de instrução que, no dia 7 de julho, também uma semana antes do flagrante que motivou o processo, testemunhou uma abordagem policial violenta contra o acusado. Consta da sentença que ela teria dito que "estava sentada na calçada" com seu filho, Marcelo e outros colegas, "quando os policiais abordaram somente os homens, sendo mais agressivos com o réu Marcelo naquela ocasião, dizendo, ainda, que ele iria ficar 'famoso'".
Daniela Conceição, magistrada que assina a sentença do processo, justificou a sua decisão afirmando que "diante da fragilidade das provas colhidas sob o crivo do contraditório, que não se transformaram na certeza exigida pela sentença condenatória, de rigor a absolvição dos réus". Tanto Apolinário quanto Santos foram inocentados.
A reportagem entrou em contato com o Ministério Público indagando se o órgão pretende recorrer da sentença. Em nota, obteve como resposta que "o MPSP ainda não foi intimado da sentença. Qualquer possível manifestação somente poderá ser verificada após essa intimação".
(Estadão Conteúdo)