Geral
Cracolândia se espalha e leva pânico ao centro da capital
Santa Ifigênia tem portas a meia altura e rodízio de ligações ao 190
“Para onde agora? Cadê o fluxo?”, perguntou uma dependente química a um grupo de três homens que usavam crack sentados na calçada da avenida Rio Branco, quase em frente a uma base fixada pela Polícia Militar na esquina com a rua dos Gusmões, no centro de São Paulo. Um dos usuários, então, levantou a cabeça e com um movimento de pescoço indicou o cruzamento da via com a rua General Osório, um dos locais com maior concentração de dependentes químicos durante o dia de ontem (7). O fluxo havia sido dispersado de lá pela Guarda Civil Metropolitana no início da manhã, mas logo retornou.
A reportagem esteve um dia inteiro acompanhando os deslocamentos dos dependentes químicos em Santa Ifigênia. O que se viu ontem foi um clima de apreensão entre lojistas -- alguns deles deixaram as portas a meia altura durante todo o dia -- e moradores em alerta constante diante da situação. À noite, vizinhos chegam a fazer rodízios para chamar a PM.
“Não atendi ninguém hoje, só por celular”, disse o lojista Matheus Alves, de 22 anos. Há cerca de um ano, ele alugou um ponto e montou uma assistência técnica de celular na rua General Osório, a poucos metros da esquina com a avenida Rio Branco. As proximidades do local, contudo, foram tomadas pelo fluxo de usuários de droga nas últimas semanas, o que acabou prejudicando os negócios -- algumas lojas chegaram a fechar em definitivo.
Diante do baixo movimento, Matheus ainda não chegou a esse ponto, mas fechou o comércio às 16h de ontem, uma hora antes do que o habitual. “Vou ficar fazendo o que aqui?”, desabafou à reportagem. Segundo ele, desde que o fluxo saiu da Praça Princesa Isabel, onde se estabeleceu por alguns meses, os comerciantes passaram a ter de lidar com uma rotina de imprevisibilidade e insegurança. Não à toa, Matheus deixou a porta a meia altura durante todo o dia.
“Daqui a pouco eles são dispersados de novo, mas logo voltam”, disse ele, explicando que são nos deslocamentos que há mais risco de arrastões.
Recepcionista em um hotel na Rua Conselheiro Nébias, Fabiana Lopes, de 49 anos, conta que moradores do bairro se reuniram e montaram um grupo no WhatsApp -- hoje com 46 pessoas -- para tentar soluções. Além de compartilhar informações de tumultos e para onde o fluxo se deslocou, eles também se revezam para acionar a Polícia Militar. “Tem sido assim, porque a gente tem tentado encontrar alguma solução. Eu moro aqui há 10 anos. Era uma maravilha, perto de tudo, mas agora não dá vontade mais de sair na rua.”
Com a migração da Cracolândia para as ruas do bairro, na manhã de ontem lojistas da Rua Santa Ifigênia, uma das referências da cidade de São Paulo em comércio de eletroeletrônicos, realizaram um protesto pedindo medidas para melhorar a situação.
Eles baixaram as portas de 9h às 11h e dezenas de lojistas caminharam até o prédio da delegacia que atende o bairro. Entre os gritos e escritos nos cartazes empunhados pelos comerciantes, estavam desde “Queremos trabalhar” até “Segurança para os moradores de Santa Ifigênia”.
Questionado sobre a situação da região, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) atribuiu os conflitos à escassez de droga. “Existe um momento em que, faltando droga, os dependentes ficam mais agressivos, com um comportamento fora do padrão normal. Infelizmente, nós vamos ter de passar por essa fase. É uma etapa que a gente precisa vencer, mas não podemos parar”, afirmou Nunes. (Estadão Conteúdo)