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Homem viveu 45 dias com dois corações

25 de Novembro de 2021 às 00:01
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O urbanista Lincoln Paiva, de 54 anos: uma bomba-relógio.
O urbanista Lincoln Paiva, de 54 anos: uma bomba-relógio. (Crédito: REPRODUÇÃO / PINTEREST)

Quando acordou na UTI do hospital, o urbanista Lincoln Paiva, de 54 anos, sentia os batimentos descompassados, mas não conseguia acreditar que dentro do peito estavam dois corações. Foi preciso um exame de imagem para entender. “Vi um coração batendo devagar e outro, forte. Como se um tocasse tambor e o outro, jazz. Ali tive certeza de que tinha dado tudo certo”, conta ele, sobre uma cirurgia inédita que driblou a sentença de morte.

Os problemas cardíacos de Paiva deram o primeiro sinal no ano passado: um enfarte em casa o levou para o hospital. Depois de um acidente vascular cerebral e duas paradas cardíacas, recebeu a notícia de que 70% de seu coração estava “morto” e entrou na fila do transplante. Foi então que teve um novo revés: nem mesmo um coração novo resolveria o caso, já que a pressão alta no pulmão impedia o sucesso da cirurgia. “Eu era uma bomba-relógio”.

Para reduzir a pressão pulmonar, Paiva poderia usar uma espécie de coração mecânico por alguns meses até que fosse possível o transplante, mas ele sabia que conseguir essa máquina era caro e demorado -- a bomba artificial não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) nem é coberta pelos planos. Enquanto isso, os dias corriam e a previsão era viver poucos meses.

Internado no Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas da USP, ele soube que um médico estudava um procedimento nunca antes tentado. A técnica consistia em implantar um novo coração, de um doador -- mas sem tirar o antigo do peito. Paiva viveria por algumas semanas com dois corações para que a pressão pulmonar caísse e fosse possível, então, deixar só um. Foi o que aconteceu.

Enquanto coexistiam no tórax, os corações desempenhavam funções diferentes. “O lado direito ficou conectado, por dentro, nas veias que puxam o sangue do cérebro, cabeça e dos dois braços. O sangue que vem do intestino, fígado e pernas caía direto no antigo, não passava pelo novo. É como um quebra-cabeça. Desmontei e montei de novo, do jeito que imaginei”, diz Fábio Gaiotto, cirurgião cardiovascular do Incor que criou a técnica.

Gaiotto estudou a técnica por mais de três anos. Paiva foi operado em agosto e ficou 45 dias com os dois corações. Nesse tempo, causava surpresa em toda a equipe do hospital. “Quando tentavam medir minha frequência cardíaca, somavam-se os dois batimentos. As enfermeiras ficavam loucas”, lembra. (Estadão Conteúdo)