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Religiões reinventam-se para a realização de rituais fúnebres

Apesar de estarmos em um momento de avanço na vacinação, o coronavírus ainda apresenta muitos riscos

03 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Foi necessário encontrar alternativas para despedir-se dos falecidos durante a pandemia
Foi necessário encontrar alternativas para despedir-se dos falecidos durante a pandemia (Crédito: ROQUE DE SÁ / AGÊNCIA SENADO)

Os ritos fúnebres estão presentes em todas as religiões e nos países mundo afora. Além da fé, os rituais de despedidas constituem um traço cultural repleto de valor emocional, uma vez que é o principal momento em que um grupo se une para se despedir de alguém especial.

Com a pandemia, este cenário mudou completamente. Uma das principais recomendações para evitar o contágio da Covid-19 é o distanciamento social. Isso inclui a realização de cerimônias religiosas e fúnebres.

Entre as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) está, justamente, evitar missas ou velórios. No período pandêmico, esses eventos precisam ter um número reduzido de pessoas e sem nenhum tipo de contato ou aproximação entre elas.

Diante desse cenário, fica a pergunta: como dizer adeus sem os tradicionais ritos de passagem?

Este complexo paradoxo passou a acompanhar o dia a dia dos líderes religiosos que, juntamente com as suas comunidades, desenvolveram novas estratégias para permitir que quem fica pudesse completar este importante ciclo.

Para Andréia Vicente, antropóloga e historiadora da Universidade Federal Estadual do Oeste do Paraná, declarar a morte de um ente querido vai além de sua condição fisiológica, tendo um forte efeito simbólico e emocional. “Os rituais de morte têm vários estágios diferentes”, diz Andréia.

Apesar de estarmos em um momento de avanço na vacinação no Brasil e no exterior, o coronavírus ainda apresenta muitos riscos. Por isso, as medidas de segurança devem ser mantidas, inclusive para velórios, funerais e outras manifestações religiosas de caráter fúnebre.


Catolicismo

Na vertente católica do cristianismo, a morte representa a passagem para a vida eterna. A missa de corpo presente é celebrada como a última despedida antes do sepultamento.

Com a pandemia, a maneira que a Igreja Católica encontrou para se adaptar foi pelos meios on-line. “As paróquias acolhem os nomes dos falecidos por chat, WhatsApp e telefone para adicionar à Santa Missa”, conta o padre Francisco Ivan de Souza.


Cristianismo evangélico

Com muitas ramificações diferentes, a religião evangélica é uma das mais populares do Brasil. De maneira geral, os rituais fúnebres acontecem em diferentes contextos e de formas distintas.

Há, por exemplo, ritos que ocorrem nos próprios templos, com canções, orações e depoimentos. Por outro lado, existem rituais de despedida dos evangélicos que são realizados nos próprios velórios, com as mesmas práticas, com a presença do pastor, familiares e membros da congregação, que se despedem do falecido com orações e louvores. Com a pandemia, alguns ritos foram modificados.

Na Assembleia de Deus, por exemplo, uma pessoa da igreja visita a casa da família enlutada para trazer uma palavra de conforto, além do apoio de outras pessoas por redes sociais, por exemplo.


Judaísmo

A morte é vista como o processo final do mundo das ações e uma mudança para a vida eterna. O Judaísmo conta com diversas etapas e simbolismos em seus ritos fúnebres.

É celebrada pela Taharah, ritual onde o corpo do falecido é banhado com água e, depois é colocada a Tajrijim, uma mortalha semelhante à utilizada pelos sacerdotes no Templo de Jerusalém.

O corpo é, então, colocado em um caixão de madeira simples para simbolizar que somos todos iguais na hora da morte. Os familiares do falecido fazem a Keriá, que consiste em rasgar uma parte da roupa que estão utilizando, para simbolizar a morte como um rompimento do corpo físico que deixa de existir.

Os sete primeiros dias de luto no lar da família são chamados de Shivá. Nos primeiros 11 meses após a morte, uma prece especial, chamada Kadish, é recitada para elevar a alma da pessoa que partiu.

“Na pandemia, estamos evitando qualquer tipo de ritual que esteja relacionado ao contato direto com o corpo do falecido”, afirma Saulo Tavares, voluntário da entidade Chevra Kadisha, de Fortaleza (CE).


Espiritismo

No espiritismo, a morte significa o retorno à vida espiritual. Por isso, a desencarnação (morte do corpo físico) é vista com positividade, pois é o reencontro no plano espiritual.

Fernando Bezerra, vice-presidente do Instituto de Cultura Espírita do Ceará, explicou que há poucos ritos físicos na partida de alguém, e que os adeptos da religião focam em vibrações de paz e tranquilidade e orações.

“Sempre reforçamos que o que mais nos aproxima dos espíritos que amamos são os pensamentos e as vibrações de amor”, comenta Bezerra.


Umbanda

Os seguidores da umbanda enxergam a morte como parte da caminhada que é a vida, tanto que, em alguns segmentos da religião, usa-se a palavra “partida” ao invés de “morte”.

Cada terreiro possui ritos próprios, que estão conectados à função daquela pessoa na casa. Algumas práticas têm sincretismo com o catolicismo.

Durante a pandemia, alguns rituais ainda são realizados, sempre de acordo com as orientações de segurança determinadas pelas autoridades de saúde, como uso de máscaras e distanciamento físico.


Candomblé

Para o candomblé, não existe a morte do espírito, apenas o fim do corpo físico e o início da vida espiritual em um novo plano.

O desligamento simbólico do corpo é realizado no Ilê (casa) Axé (espaço sagrado). Nesta cerimônia, que pode durar de um a três meses, os simbolismos mostram que aquele corpo já não pertence mais ao plano carnal.

Do velório ao sepultamento, são entoados cânticos para reforçar que a missão daquele espírito na terra chegou ao fim. Com a pandemia, o corpo do falecido não está presente nas etapas tradicionais do ritual.


Indígenas Kuikuro

Este povo indígena é um dos que está localizado na região do Alto do Xingu, no norte do Mato Grosso. A tradição fúnebre inclui pintar o corpo com desenhos ancestrais, adornar e abraçar fortemente, como se preparasse o falecido para uma festa.

Todos os simbolismos estão ligados à crença de que, desta forma, a pessoa falecida será respeitada pelos antepassados quando chegar ao outro lado. Com a pandemia, muitas destas cerimônias foram suspensas para evitar o contágio do coronavírus.


Islamismo

Após a morte, os islâmicos acreditam na Vida Eterna como recompensa a quem não adorar nada além de Allah — nome utilizado para se referirem a Deus. O ritual costuma ser rápido, sem velórios ou vigílias.

O corpo é lavado, enrolado em panos brancos e levado para a mesquita. Lá é realizada uma oração para, então, o corpo ser enterrado. A pandemia levou à suspensão das etapas de lavagem do corpo.

Além disso, as orações podem ser realizadas fora da mesquita. O que podemos aprender com o “novo normal” é que os rituais podem passar por adaptações e modificações, mas não irão sumir.

“Rituais alternativos já existiam, mas passarão a serem mais experimentados, mesmo após a pandemia. Nossas culturas têm a vantagem de criar novas formas quando nós precisamos delas”, finaliza a antropóloga e historiadora Andréia Vicente, da Unioeste.

As religiões em todo o mundo precisaram fazer adaptações para seguir os protocolos sanitários e evitar a propagação da Covid-19 entre os fiéis. O uso da tecnologia, a adequação de rituais e a suspensão de algumas atividades foram as alternativas encontradas.

No mercado, as empresas também passaram a oferecer soluções para amenizar os efeitos negativos das restrições sobre os momentos de despedida.

Desenvolvidos pela Laços para Sempre, os arranjos de condolências foram e são um exemplo de alternativa frente aos protocolos que limitam os velórios.

Na prática, os arranjos de condolências podem ser oferecidos como “gesto de carinho e apoio a familiares e amigos do falecido quando a pessoa não pode comparecer ao velório para prestar sua última homenagem”, informa a empresa em seu site. (Da Redação)