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Especialistas dizem que nova lei facilita corrupção
Mudança teve "ajuda" de deputados da RMS; só Derrite foi contra
A mudança -- considerada como afrouxamento -- da Lei de Improbidade Administrativa, que passou pelo Senado na quarta-feira (29), e deve voltar para a Câmara, para análise de modificações pontuais, antes de seguir para sanção ou veto presidencial, deve aumentar a corrupção no Brasil. A opinião é de especialistas ouvidos pela reportagem, que lamentaram a aprovação.
A alteração na lei, que deve deixá-la menos rigorosa, contou com a “ajuda” de quatro dos cinco deputados federais da região. Capitão Derrite (PP) foi o único a votar contra o texto base do projeto, quando a matéria foi analisada na Casa, em 16 de junho. Guiga Peixoto (PSL), Jefferson Campos (PSD), Vitor Lippi (PSDB) e Herculano Passos (MDB) votaram pela mudança na lei.
“É um grande retrocesso no combate à corrupção. Eu diria que é um dos maiores dos últimos 20 anos. Foram mudanças extremamente prejudiciais”, afirma Igor Pinheiro, promotor de Justiça e especialista no combate à corrupção. “Sem sombra de dúvida pode aumentar a corrupção. Todos os mecanismos internacionais de combate à corrupção demonstram que a sensação, a percepção ou o medo da punição efetiva, diminuem, geram temor de quem tem tendência de praticar ato de corrupção. Se tem uma lei que dá um recado de que haverá muita brecha, muita facilidade para a ausência de punição, você permite a corrupção”, afirma.
“O que a gente vê é uma ousadia legislativa. Os parlamentares estão aproveitando o momento da pandemia, de desconcentração, de falta de atuação da sociedade civil organizada para passar a boiada”, completa. Ele diz não acreditar no veto presidencial como caminho para reverter a situação. Para o especialista, o único caminho será o manejo de ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).
“A mudança estimula não apenas o aumento da corrupção, mas também da impunidade. A corrupção é o mal do século, a sociedade necessita de filtros para combatê-la, quando você tem uma legislação que reduz prazos de prescrição, de investigações e limita a atuação na propositura de ações, como o que está sendo feito, você estimula que ilícitos aconteçam e não sejam punidos”, afirma Juliana de Souza, procuradora e presidente da Comissão de Advocacia Pública da OAB/Sorocaba.
Ela lembra ainda que as alterações inseridas no projeto se tornaram decepção. “A improbidade administrativa visa punir desvios ou ilegalidades cometidas por agentes públicos. A Lei de Improbidade foi um avanço no ordenamento jurídico brasileiro, mas já estava na hora de ser aprimorada e o que percebemos é que ao invés da lei ser aprimorada, sofreu um grande retrocesso”, opina. “Todo agente público deve obedecer aos princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência), e o despreparo para gerir a máquina pública não pode, jamais, servir de desculpa para cometimento de atos ilícitos”, acrescenta.
O que muda
Entre as alterações do novo texto, os atos de improbidade administrativa passam a depender de comprovação de que houve condutas dolosas, ou seja, aquelas em que agentes públicos tiveram a intenção de fazê-las. Foi suprimida a modalidade culposa. Foram inseridos como novos tipos de improbidade o nepotismo (inclusive cruzado) até o 3º grau para cargos de confiança e a promoção pessoal de agentes públicos em atos, programas, obras, serviços ou campanhas de órgãos públicos.
O prazo máximo de supsensão dos direitos políticos sobe para 14 anos (hoje o máximo são 8 anos) e o valor máximo das multas aplicáveis cai em todos os casos. A ação para a aplicação das sanções prescreverá em oito anos (prazo único), contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. Antes o prazo era de até cinco anos após o fim do mandato do acusado.
O Ministério Público passa a ter exclusividade para propor ação de improbidade. A partir da publicação da lei, o MP terá um ano para manifestar interesse no prosseguimento de ações em curso. Os processos sem essa providência serão extintos. Para atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública será exigido dano relevante para que sejam passíveis de sanção.
Parlamentares da região
Para o deputado federal Capitão Derrite (PP), único parlamentar a votar contra a mudança e o consequente afrouxamento, o novo texto é “uma grande vitória aos corruptos”. “Fui um dos 67 parlamentares que votaram contra o projeto na Câmara, contra 408 que votaram a favor. O texto aprovado na Câmara dificulta a condenação por improbidade administrativa quando não restar patente a intenção do autor, ainda que esse aja com negligência extrema, o que soa absurdo. Ademais, houve alteração dos prazos prescricionais, que foram reduzidos, o que, invariavelmente, garantirá a impunidade em casos complexos. Como exemplo, as ações de improbidade relacionadas à Lava Jato, ainda em curso hoje, todas prescreverão, pois já estão em curso há mais de quatro anos”, afirma.
O deputado também afirma que outro ponto garantidor de impunidade foi a fixação do limite máximo de investigação de atos de improbidade em um ano, o que, segundo ele, é praticamente impossível de ocorrer em casos complexos, dada a limitação de pessoal e recursos. “No Senado, tivemos pequenos avanços, como a garantia da imprescritibilidade do ressarcimento ao erário. Contudo, pontos notoriamente temerários foram mantidos, o que faz permanecer a impunidade dos ímprobos”, pondera.
Jefferson Campos (PSD), em nota, afirmou que o projeto é complexo e que pensa “que a mudança tornará as sanções impostas na legislação mais condizentes com a realidade do País”. “A tramitação depende exclusivamente do presidente da Casa. Nós, deputados, deveríamos estar discutindo pautas importantes para a sociedade e buscarmos formas de promover o fortalecimento da economia. Penso que ainda há de acontecer mudanças no texto, mas se tivermos que discutir novamente a matéria, espero e desejo bom senso dos parlamentares com a propositura”, comenta. Ele votou a favor do texto base, que, de fato, é o que conta.
Guiga Peixoto (PSL), que também votou sim às modificações, diz que o texto deveria ter sido “fulminado na Câmara e sequer ter chegado a tramitar no Senado”. “Fui contra as alterações propostas, acredito que com as eleições próximas, esse não era o momento oportuno para tais mudanças. Os mais beneficiados serão aqueles que faltam contra os princípios básicos da administração pública. A tramitação do texto na Câmara não obteve aprovação pacífica e acredito que o mesmo se sucederá com o retorno da proposta”, diz. “Certamente as mudanças do texto são um retrocesso. É um texto com boas intenções, mas que não enseja bons resultados e que fatalmente custará caro ao erário público”, completa.
Vitor Lippi (PSDB) e Herculano Passos (MDB), que já foram prefeitos e que já responderam por improbidade administrativa, não responderam à reportagem. (Marcel Scinocca)