Pandemia
'Tudo indica' que vacinação contra Covid será anual, diz Dimas Covas
Diretor do Instituto Butantan admitiu que poderá haver necessidade de reforço periódico da vacinação
Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, admitiu a possibilidade de que a vacina contra Covid-19 precise ser aplicada em doses anuais. Segundo ele, "tudo indica" que haverá necessidade do reforço periódico da vacinação.
"Na minha percepção, como cientista, como médico, tudo indica que haverá necessidade de doses anuais, de reforço, como é a da vacina da gripe, dado que essa infecção tem a possibilidade de se tornar endêmica tudo indica que isso vai acontecer. Algumas companhias já estão trabalhando na possibilidade dessa terceira dose, inclusive o Butantan, que desenvolve estudos para ter o reforço vacinal pelo menos uma vez ao ano", disse Covas nesta quinta-feira (27).
Tratativas sobre vacinas
No depoimento à CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan reforçou que a interferência do presidente Jair Bolsonaro na aquisição da Coronavac pelo governo provocou prejuízo nas negociações. À CPI, o ex-ministro Eduardo Pazuello afirmou que a posição de Bolsonaro não atrapalhou a compra. Segundo Covas, após o episódio, em outubro de 2020, não houve progresso nas tratativas até janeiro deste ano, quando foi fechado o primeiro contrato com o governo.
Na sessão, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou vídeos envolvendo o caso, tanto das manifestações de Bolsonaro, como do então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco. Após a fala do presidente, ele declarou que não havia intenção de comprar vacina chinesa, uma referência à Coronavac.
"Só foi contratada seis meses depois da primeira oferta", ressaltou Covas à CPI. "Então, de fato, questão da vacina não foi bem resolvida pelo País no ano passado. Houve atraso em relação a iniciativa de outros países, mercado global onde a quantidade é pequena e a demanda é enorme", disse ele.
Covas ainda destacou os efeitos de o governo não ter aceitado a primeira oferta, feita em julho do ano passado. "A não aceitação da primeira oferta significa 60 milhões até dezembro de 2020. A partir daí, essas idas e vindas foram dificultando o cronograma, não os quantitativos, porque o Butantan mantinha seu acordo para os 46 milhões, mas tinha condições de chegar aos 100 milhões de doses que poderiam chegar em maio. Como não houve essas definições, o cronograma passou para setembro porque a demanda por vacinas nesse momento era muito grande", disse Covas.
O diretor do Butantan comentou que, quando enfim o governo assinou o contrato, teria sido em consequência de outras iniciativas não terem dado certo, como a tentativa de buscar vacina na Índia e dificuldades com o imunizante da Astrazeneca. "Única disponível era a do Butantan", disse ele.
Covas respondeu também que a interlocução com o Ministério da Saúde sempre foi técnica, e que nunca tratou com o presidente diretamente sobre a compra da vacina. "O fato é que houve mudança, estávamos trabalhando (com área técnica do ministério) conjuntamente até inclusive para caminhar com MP para dar sustentação orçamentária a nossos pleitos, e a partir do dia 20 de outubro isso foi absolutamente interrompido, não houve progresso nessas tratativas", afirmou ele. "Nunca recebi ofício de fato que intenção de compra feita no dia 19 de outubro não era mais válida, mas depois daquilo não houve mais progresso", afirmou.
Decepção
Na CPI, o diretor do Instituto Butantan disse estar "decepcionado" com o tratamento que a instituição teve por parte do governo federal. "Questionar o Butantan significa questionar a saúde pública", afirmou Dimas Covas.
O relator Renan Calheiros apresentou uma série de vídeos feitos tanto por integrantes do Ministério da Saúde, quanto pelo presidente Jair Bolsonaro, no ano passado, e questionou Covas sobre a eficácia e a segurança da vacina contra Covid-19 produzida pelo Instituto. Para o diretor, a "campanha" feita nas mídias sociais desqualificando a vacina trouxe prejuízos à imagem do instituto.
"Obviamente que, quando começou a vacinação, foi a primeira vacina a ser usada, e é a que sustentou o PNI (Programa Nacional de Imunização) até muito recentemente, essa imagem mudou muito. Nós demos a resposta que era esperada do Butantan, nós não saímos do nosso trilho. Se houve dificuldade, foi por parte do ministério", completou Covas.
Na avaliação dele, as posições políticas, "de lado a lado" como colocou o relator da CPI, impediram a vacinação de milhões de pessoas em um prazo anterior ao iniciado no País. "Hoje, infelizmente, nós temos a segunda posição no mundo em número de óbitos. Poderia ter sido amenizada, poderia sim. Obviamente que não é o único pilar, existem outros pilares. Mas este é um pilar que poderia ter começado um pouco antes, sem dúvida nenhuma", declarou.
China
O diretor também reafirmou que as declarações contra a China que acontecem no Brasil atrapalham as negociações com o País asiático. "Obviamente, isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram normalmente resolvidas em 15 dias, hoje demoram mais de mês para serem resolvidas", disse.
Covas, no entanto, avaliou positivamente o trabalho realizado pelo ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, que assumiu em março deste ano, após a saída do ex-chanceler Ernesto Araújo. Segundo o diretor, França "tem ajudado muito" na interlocução com a China e a farmacêutica chinesa Sinovac.