Editorial
Freios e contrapesos
A vitória, sem sombra de dúvida, foi da bancada ruralista e caracteriza um sinal de alerta para a base do governo
Na véspera da posse do ministro Luís Roberto Barroso como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o Parlamento mandou um duro recado à instituição máxima do judiciário. Deputados e senadores deixaram claro que não pretendem admitir intromissões de um poder nos afazeres e prerrogativas do outro.
O alerta veio na forma de obstrução. Nenhum projeto que seja do interesse do governo será votado até que a situação se acalme. Além disso, um texto que limita o poder do STF e que pode anular várias decisões da Corte começou a ser discutido em ritmo acelerado.
No Senado, a posição foi ainda mais dura. Na noite de quarta-feira, 27, foi concluída a votação do texto legal que restabelece as regras do marco temporal para desapropriação de terras indígenas. A medida bate de frente com o julgamento realizado do STF que barrou esse entendimento. A queda de braço está só começando.
O texto aprovado pelo Senado, sem alteração do que foi decidido pela Câmara, vai agora para sanção presidencial. Senadores da situação teriam dito que o presidente Lula pretende vetar a lei integralmente. O problema é que, pelo número de votos obtidos nas duas casas, vai ser fácil derrubar o veto. A hora é de negociar e não de confrontar. O governo sabe que quanto mais a corda for esticada, outros projetos importantes ficarão parados no emaranhado de processos e regras do Legislativo.
A articulação política do governo deve prestar atenção também em quem votou a favor do projeto. A vitória, sem sombra de dúvida, foi da bancada ruralista e caracteriza um sinal de alerta para a base do governo. Mesmo partidos considerados governistas como o PSD, MDB e PSB deram votos a favor do texto. O PP e o Republicanos, que recentemente ganharam cargos na Esplanada dos Ministérios, também colaboraram para a aprovação do projeto.
Em plenário, durante a sessão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, negou que a intenção da casa tenha sido afrontar o STF. “Buscamos para o Brasil a conciliação, a pacificação, a reunificação nacional em prol do desenvolvimento econômico, humano, social”, disse Pacheco. “Não há nenhum tipo de sentimento revanchista à Suprema Corte. Sempre defendi a autonomia dos poderes”, concluiu o senador.
Como forma de acalmar os ânimos com o Parlamento, o STF também enviou sinais que agradaram parcialmente o setor do agronegócio. Os ministros decidiram, ainda na ação que julga a validade do marco legal, que os donos de terras desapropriadas têm direito à indenização prévia pelas benfeitorias na propriedade. A indenização também deve considerar o valor do terreno, quando o reassentamento não for possível. De acordo com o voto dos ministros, o pagamento pode ser feito em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário. O Supremo também definiu as terras de ocupação tradicional indígena como inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas como imprescritíveis.
O governo era contra o pagamento pelas desapropriações. A quantidade de dinheiro necessária para atender as reivindicações dos indígenas seria enorme, o que afetaria diretamente o orçamento e as contas públicas. A própria Advocacia-Geral da União já teria deixado claro que a mudança na posição do STF, com o pagamento aos proprietários rurais, geraria um “gasto incalculável” para a administração federal e poderia travar as demarcações.
A tese vencedora no Supremo foi proposta pelo ministro Alexandre de Moraes. De acordo com o voto dele, os proprietários de “boa-fé”, que receberam títulos de propriedade de governos municipais, estaduais e federais, não poderiam ser penalizados pela mudança da regra. O ministro defendeu que os processos demarcatórios de terras indígenas só possam ser concluídos quando todos os fazendeiros afetados forem indenizados.
Resta saber agora como o governo vai agir. Se opta por se aproximar do Parlamento e virar as costas para o STF, ou se vai contra deputados e senadores e passa a ter problemas para aprovar inúmeros projetos de interesse pessoal do presidente.
Qualquer que seja a posição, ainda há um longo caminho a ser percorrido. A judicialização vai emperrar os processos de desapropriação e a criação de novas áreas indígenas. O que vai sobrar, de tudo isso, é uma insegurança jurídica que pode prejudicar o agronegócio e, por conseguinte, a economia do País todo.