Arbitragem
Do apito à paz
Flamarion David Volpe arbitrou diversas partidas importantes do futebol nacional, mas hoje é técnico em segurança do trabalho

Durante anos, Flamarion David Volpe não apenas assistiu ao futebol de perto — ele o comandava. Apitou clássicos, finais de campeonato, jogos da base e até partidas internacionais. Esteve nos estádios mais conhecidos do País, dividindo o gramado com atletas de renome e ouvindo seu nome nos microfones dos narradores. Em um meio competitivo e, por vezes, ingrato, ele chegou onde muitos gostariam: ao topo da arbitragem paulista.
No entanto, Flamarion fez algo que poucos fariam: abriu mão de tudo — fama, carreira promissora, prestígio — para seguir um chamado que vinha de outro campo. Um mais silencioso, mas, para ele, infinitamente mais valioso.
Um árbitro por acaso
A história de Flamarion com o futebol começou como a de tantos outros meninos brasileiros: bola no pé, sonho de ser jogador. Aos 7 anos, jogava no Pinheiros. Aos 15, já estava na base do Atlético de Sorocaba, onde disputou campeonatos estaduais e Paulistas no sub-15 e sub-17. Mas, aos 17, veio a realidade: não seria um jogador profissional. Na tentativa de conseguir um trocado para sair com os amigos, pediu dinheiro ao pai. E ouviu algo que mudaria sua trajetória: “Por que não vai na antiga fábrica da Case e apita o segundo quadro enquanto eu apito o primeiro?”
Sem saber, ali começava a carreira de um árbitro que, em poucos anos, se destacaria nas ligas amadoras, regionais e profissionais. “Nunca tive essa ambição. Nunca me imaginei árbitro, mas comecei a apitar e o pessoal dizia que eu levava jeito. A coisa foi acontecendo naturalmente.”
Reconhecimento em campo
Flamarion logo se tornou nome frequente no futebol amador de Sorocaba e Votorantim. Foi escalado para as principais competições regionais e, na Taça Cidade, apitou quatro finais. Ganhou prestígio e passou a representar Sorocaba em Jogos Regionais.
Em um desses jogos, em Ourinhos, chamou a atenção de um delegado da Federação Paulista de Futebol (FPF) que o colocou para bandeirar seis partidas por dia. “No segundo dia, perguntei porque não estava apitando. Ele me deu o apito e foi bandeirar para mim. No fim, me colocou na final dos Jogos Regionais e me levou para a FPF.”
Foi o início da fase profissional. Estreou na Série A1 em 2002 e, no ano seguinte, já integrava o quadro da CBF. Participou de uma pré-temporada com nomes de peso da arbitragem brasileira, como Paulo César de Oliveira, Dílson Pereira de Carvalho, Ana Paula de Oliveira e Silvia Regina. A expectativa era de ascensão, mas a vida, novamente, mudaria o rumo.
O aviso divino e a queda física
Pouco antes de uma lesão grave, Flamarion estava em um culto com sua família. Foi ali que ouviu uma mensagem que o marcou profundamente: “O seu lugar não é no campo de futebol. Vou fechar as portas lá, pois quero você aqui, me servindo.”
Meses depois, em uma semifinal da Copa Paulista, sentiu uma dor intensa no joelho. O diagnóstico foi duro: rótula quebrada. Cogitaram a colocação de uma prótese, o que encerraria qualquer possibilidade de voltar a apitar.
Com a ajuda de amigos e da medicina — entre eles, o saudoso Dr. Osmar de Oliveira, médico de São Bento e Corinthians e jornalista esportivo — conseguiu evitar a cirurgia, mas o corpo já não respondia como antes. “Tentei voltar, mas não tinha mais a condição física necessária. E aí me lembrei da palavra que tinha recebido. Deus já tinha me mostrado que era hora de parar.”
Escândalo e fim de ciclo
Enquanto Flamarion se recuperava, o futebol brasileiro enfrentava um terremoto: o escândalo da arbitragem envolvendo Edílson Pereira de Carvalho. Toda a estrutura da arbitragem da FPF foi reformulada. Quando tentou voltar, já não era mais o mesmo cenário. “Senti que as portas estavam fechando mesmo. A palavra que recebi no culto se cumpria diante dos meus olhos.”
Em 2011, após conversar com a família, ligou para o Coronel Marinho, presidente da arbitragem, e pediu sua saída oficial. “Costumo dizer que a decisão não foi minha. Foi de Deus. Eu só aceitei.”
Menos aplausos, mais paz
Atualmente, Flamarion trabalha como técnico em segurança do trabalho em uma multinacional, a Prysmian. Por um tempo, também atuou como motorista de aplicativo — o que confundiu alguns que se lembravam do árbitro nos estádios. “No início foi difícil. Eu gostava de ser reconhecido, de ouvir meu nome nas ruas, mas Deus foi colocando paz no meu coração. Hoje, vivo em tranquilidade.”
Volta e meia alguém o reconhece, puxa conversa, faz perguntas curiosas: “Por que você parou de apitar? Você é louco?” Ele ri, com serenidade. “Não parei por vontade própria. Foi um chamado. E estou em paz com isso.”
Realização fora dos holofotes
Com 20 anos de casado e pai de uma filha de 13 anos, Flamarion se define como uma pessoa realizada. “Amo minha família. Sirvo a Deus. E guardo tudo o que vivi no futebol como uma lembrança bonita, não como frustração.”
Hoje, vê com clareza o peso que a arbitragem carrega. “Ser árbitro profissional exige muito emocional e psicologicamente. É uma carga que vai contra a paz que encontrei servindo a Deus com minha família.”
Flamarion David Volpe pode ter deixado os gramados, mas não perdeu a vocação de liderar. Agora, conduz com fé, com serenidade e com o mesmo senso de justiça que um dia o levou a comandar jogos decisivos. Só que agora, o campo é outro — e a torcida, mais silenciosa, é feita de amor e propósito.
João Frizo - programa de estágio
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