Buscar no Cruzeiro

Buscar

Queda de receitas deve levar a revisões de contratos de concessão

03 de Maio de 2020 às 00:01

Queda de receitas deve levar a revisões de contratos de concessão No setor de energia elétrica, há um mix de redução no consumo e alta da inadimplência. Crédito da foto: Emidio Marques / Arquivo JCS

A forte queda na demanda e a perda de receita por causa do coronavírus deram início a uma onda de renegociação de contratos de concessão. Com o aval da Advocacia Geral da União (AGU), que classificou a pandemia como força maior, as concessionárias estão discutindo com o governo e seus advogados a melhor forma de recuperar os danos causados pela crise. As alternativas vão de ampliação de prazo das concessões a reajuste de tarifa.

O isolamento social, iniciado em meados de março, provocou uma queda de até 98% na movimentação de passageiros nos aeroportos; as rodovias perderam, em média, 30% das receitas; e o transporte urbano teve queda de até 70% no número de usuários. No setor de energia elétrica, há um mix de redução no consumo e alta da inadimplência -- o que, segundo as empresas, tem estrangulado o caixa e pode provocar um efeito em cadeia.

Desde o início da quarentena, a queda no consumo de energia foi de 12% e o avanço da inadimplência, de 15%. Nesse caso, o governo já está avaliando medidas para amenizar o problema. Entre elas, um empréstimo para compensar a inadimplência e a liberação de recursos de fundos setoriais para amenizar a queda no consumo.

As renegociações também devem alcançar os setores de saneamento, no qual a arrecadação caiu 25%, e de arrendamentos de terminais portuários. “Vamos ter de olhar caso a caso. Alguns serão mais prejudicados do que outros”, diz a secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério de Infraestrutura, Natália Marcassa. Ela avalia que o parecer da AGU e o arcabouço regulatório que o País tem já permite a repactuação dos contratos sem novas regras. “Agora cada um terá de calcular seus prejuízos e as agências vão analisar os pedidos.”

Após o fim do isolamento social, a previsão de especialistas é que a demanda não voltará tão rápido aos níveis pré-pandemia.

Situação de cada empresa

“Precisamos usar tudo o que for possível para impedir que o sistema se rompa, como é o caso de energia elétrica”, diz o presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini. Também exigirá agilidade para evitar que o processo se arraste por muito tempo. “Tem de ser algo tempestivo. Não pode ser uma negociação para daqui a um ano”, diz o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias, César Borges.

Essa é uma das preocupações das empresas que buscam renegociações. Segundo as concessionárias, a queda drástica na demanda afetou rapidamente o caixa, o que poderia comprometer serviços essenciais à população. “Os reflexos da pandemia nas concessões são de uma complexidade enorme e vão exigir planejamento para que o processo seja aprovado com mais agilidade”, diz Tadini.

Para especialistas, o ideal seria já abrir um processo administrativo junto às agências reguladoras para demonstrar os prejuízos -- medida que serviria também como prestação de contas para seguradoras, agentes financiadores e investidores. “Em alguns setores, como o de aeroportos, já é possível demonstrar a frustração de demanda”, diz o advogado Pedro Paulo Rezende Porto, do escritório Porto Advogados.

Complexidade contratual

Para se ter ideia de como os aeroportos estão sendo afetados, no Galeão (RJ), o número de passageiros caiu 98% em abril, comparado com 2019; e em Guarulhos (SP), a média diária de 120 mil passageiros até fevereiro já havia despencado para 15 mil em março -- queda de 87%. A Gru Airport, concessionária de Guarulhos, disse ter iniciado conversas com o governo e que pretende usar o reequilíbrio para abater o valor da outorga.

A complexidade de uma renegociação contratual é maior em alguns setores. Em saneamento básico, por exemplo, não há uma única agência reguladora para concentrar os possíveis pedidos de reequilíbrio de contrato. “Temos uma regulamentação subnacional e 52 agências reguladoras. Ou seja, teremos de conduzir esse processo no varejo”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto.

Segundo ele, desde o início da quarentena foram publicados 230 decretos regionais sobre conta e proibição de corte de água durante o período do coronavírus. “Como vamos reequilibrar os contratos desta forma?”, questiona Neto. Ele afirma ter iniciado uma conversa com a Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar) para criar um padrão de renegociação.

“Nós vivemos uma situação diferente: a demanda residencial está crescendo e a inadimplência, também. Vamos chegar ao final desse processo com algumas famílias com até cinco contas atrasadas”, diz o executivo. Durante o isolamento social, a arrecadação das empresas caiu 25%. “As concessionárias não vão quebrar, mas os investimentos essenciais para aumentar o atendimento de água e esgoto no País terão de ser revistos”, diz Neto.

Os contratos de obras públicas também devem passar por um processo de renegociação. Em alguns casos, poderá haver até mesmo a suspensão do contrato, diz Fernando Vernalha, da VGP Advogados. Segundo ele, mesmo nas obras que não foram paralisadas, a situação é complicada. Há problemas de falta de insumos e também de mão de obra. (Renée Pereira - Estadão Conteúdo)