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Janeiro Branco

Derrubar preconceitos sobre saúde mental é um dos desafios

Ministério da Saúde aponta que 15,5% dos brasileiros apresentam quadro de depressão ao longo da vida

16 de Janeiro de 2024 às 23:01
Vanessa Ferranti [email protected]
Depressão é uma doença psiquiátrica que produz alteração no humor caracterizada por tristeza profunda
Depressão é uma doença psiquiátrica que produz alteração no humor caracterizada por tristeza profunda (Crédito: DEPOSITPHOTOS)

 

Os sintomas de depressão em Fernanda Horvath Réus, de 21 anos, começaram a se manifestar aos 13, na escola. A jovem sofria bullying e tinha dificuldade para fazer amigos. A partir disso, a hoje social media e assessora de imprensa travou uma luta com as suas próprias emoções. “Eu tive um episódio em que eu chorei muito, enquanto ainda era criança, dentro de uma sala de aula. Me senti envergonhada porque o pessoal já fazia bullying comigo, por conta dos meus dentes, que eram bem para a frente. Os colegas da sala implicavam com isso”.

Sem possibilidade de pagar um especialista e na esperança de amenizar os sintomas, na época a jovem chegou a procurar médicos em postos de saúde e tomou medicamentos. Porém, não foi encaminhada a um psiquiatra. Hoje, ela está melhor, pois encontrou na terapia um refúgio para se recuperar. “Eu consegui um ano de tratamento gratuito em uma universidade e ali eu conseguia falar, entender as minhas emoções, saber melhor sobre as minhas reações. Eu tinha uma pessoa ali que estudou, sabia me orientar, sabia fazer eu refletir sobre as minhas coisas. Ai eu melhorei”, contou.

A depressão é uma doença psiquiátrica que produz alteração no humor caracterizada por tristeza profunda. Segundo o Ministério da Saúde, trata-se de um problema médico grave e altamente prevalente na sociedade em geral. De acordo com o órgão federal, um estudo epidemiológico mostra que, no Brasil, 15,5% da população apresenta quadros de depressão ao longo da vida. Já um estudo global realizado por pesquisadores da Univesidade Queensland, da Austrália, e de Harvard, nos Estados Unidos, revelou que até os 75 anos, quase a metade da população deve desenvolver pelo menos um tipo de transtorno mental.

Para conscientizar a população sobre a importância da saúde mental, foi criada a Campanha Janeiro Branco. A escolha do primeiro mês do ano para a ação foi intencional, para aproveitar um período em que as pessoas tendem a refletir sobre suas vidas e a planejar os meses seguintes. É como se, mais uma vez, elas recebessem uma folha em branco para escrever os próximos capítulos de suas histórias.

“O idealizador do Janeiro Branco foi o psicólogo Leonardo Abrahão. Ele idealizou a campanha em razão da importância dos quadros mentais, o quanto não se fala disso e o quanto deveria se programar uma saúde mental ao longo da vida e não só do ano. Então, deveria ser um janeiro eterno branco”, destacou Jorge Henna, psiquiatra e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

O especialista ressalta que o objetivo da campanha também é minimizar o preconceito, pois, atualmente, muitas pessoas ainda resistem em procurar um psiquiatra ou psicólogo para tratar a saúde mental. “Não há nenhum preconceito em você passar em um cardiologista, em um endocrinologista. Mas, se você passar em um neurologista, já tem preconceito! Enquanto mais em um psicólogo! E se você falar que vai a um psiquiatra, esqueça! Então, essa é uma discussão que se levanta, que deve se levantar com essa campanha do Janeiro Branco”, acrescentou Henna.

Silêncio

Os transtornos mentais são uma das principais causas de afastamento do trabalho no Brasil. Segundo Henna, os pacientes não procuram atendimento quando os primeiros sintomas aparecem. Muitas vezes, por falta de apoio, sofrem em silêncio e buscam um médico apenas quando já desenvolveram o quadro grave da doença.

“Muitos pais e familiares auxiliam a identificar, mas 99% fala que é frescura. São esses 99% que sofrem silenciosamente e ficam com isso um bom tempo, porque a doença mental é uma doença que corrói lateralmente, ela vai corroendo pelas bordas até que atingir o núcleo da doença, que é quando a pessoa fica angustiada a maior parte do tempo, fica entristecida e chora quando tem coisas mais volumosas emocionalmente”, explica o psiquiatra.

Por isso, é importante ficar atento aos sinais. “Começamos a perceber quando vemos uma mudança de comportamento. Uma pessoa que fala ‘nossa, a vida inteira eu fiz tal coisa e agora eu não faço mais’ ou ‘agora eu não quero mais’. ‘Às vezes eu comia demais e como de menos’, ‘às vezes eu comia de menos e agora como demais’. ‘Eu era uma pessoa que fazia exercício físico, agora eu não quero’. ‘Eu estou sempre irritado, estou sempre, de certa forma, brigando com as pessoas por coisas que eu era tolerante e agora eu não sou’’, explica Ana Laura Schliemann, psicóloga e também professora da PUC-SP.

Já em relação às crianças, a especialista ressalta que o diagnóstico de transtornos mentais é mais difícil, pois o indivíduo ainda está em formação. No entanto, os pais também devem ficar atentos ao comportamento dos filhos. “Da mesma forma que o adulto tem uma mudança radical a criança também tem. Você olha e fala assim: ‘Não reconheço’”, revela Ana Laura, acrescentando que “tudo o que podemos pensar para a criança e para o adulto é parecido, mas não é igual, porque o desenvolvimento é diferente.” Segundo a especialista, “para a criança e para o adolescente a psicoterapia também é um meio super importante para conseguirmos lidar com as coisas e lidar com a vida”, destacou.

Políticas Públicas

O tratamento de transtornos mentais deve ser realizado com base na história do paciente. De acordo com Jorge Henna, trata-se de um tratamento multifacetado, pois além dos medicamentos e da terapia com psicólogo, existe o tratamento social, incluindo atividade física, alimentação adequada e exposição solar.

O profissional ressalta também que para se ter uma sociedade mentalmente saudável, a população precisa ter momentos de lazer. E, para isso, é fundamental que haja investimento em políticas públicas.

“A pessoa não pode ir para o trabalho e voltar para a casa diariamente, como 90% dos trabalhadores fazem. Ela precisa ter um cinema, uma cervejinha, um encontro com os amigos, ela precisa sair com a família etc. É preciso ter essas e outras atividades para formar a estrutura da saúde mental”. diz Henna.

Ainda conforme Henna, frequentar áreas verdes e praças, como o Parque Campolim e Parque das Águas, com aparelhos de ginástica e brinquedos para as crianças, também é fundamental. Mas esses recursos devem estar instalados em todos os bairros da cidade. “É importante que tenham esses recursos não só no Parque das Águas, que tenha no Ana Paula Eleutério e em todos os locais. É preciso que as quadras sejam adequadas, que tenhamos vários núcleos de cultura instalados e várias ações públicas de saúde mental”, concluiu. (Vanessa Ferranti)