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Sem perspectivas de retorno, artistas circenses são afetados pela quarentena

19 de Julho de 2020 às 00:01

Sem perspectivas de retorno, artistas circenses são afetados pela pandemia Eles foram os primeiros a suspender atividades por conta da pandemia. Última apresentação do circo foi em março. Crédito da foto: Guilherme Godinho

O espetáculo não pode parar, mas parou. A lona tradicional e as luzes piscantes, agora apagadas, foram substituídas pelo vazio melancólico do campo aberto, num terreno próximo ao Parque das Águas, em Sorocaba. Lá, diversas famílias circenses vivem em trailers à espera do fim do distanciamento social imposto pela pandemia de Covid-19. Em muitas gerações, essa é a maior dificuldade pela qual elas já passaram.

“Nós não temos certeza do amanhã, do que é que a gente vai fazer. Não sabemos quanto tempo isso vai durar, se poderemos voltar ainda neste ano ou somente no ano que vem. Mesmo se o retorno for liberado, ainda vai demorar até que tudo volte ao normal; as pessoas vão ficar com medo de ir ao circo por um tempo. Nós fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar.” Quem lamenta é Vitória Signorelli, que acumula as funções de bailarina, mágica e trapezista no Circo Globo Max. Enquanto ela fala, suas companheiras de picadeiro enchem pequenos saquinhos transparentes de pipoca doce, que serão vendidos no dia seguinte. Com o fim das apresentações, a venda de pipoca, biscoitos e maçã do amor tem sido a alternativa encontrada para garantir a subsistência dos artistas.

Vitória conta que viver do circo costuma ser uma tradição familiar. No caso dela, são seis gerações que vêm passando adiante esse estilo de vida, que também é um emprego -- o único que essas pessoas têm. No caso do Globo Max, são cerca de 30 integrantes que dependem das apresentações. A arrecadação varia de cidade para cidade, numa média de R$50 mil semanais, dos quais são descontados todos os custos, desde o aluguel do terreno e das contas de água e luz até a remuneração dos artistas.

O Circo Globo Max começou em Itajubá, no sul de Minas Gerais, e desde então já rodou o País, passando por Estados como Espírito Santo, Tocantins, Goiás e Maranhão. No início da pandemia, a família Signorelli estava em Campo Formoso, na Bahia. A última apresentação aconteceu em 15 de março e, apesar do apoio da prefeitura local, a saída foi enfrentar a viagem de mais de 2 mil quilômetros até Sorocaba, para ficar mais perto de parentes e amigos.

Sem perspectivas de retorno, artistas circenses são afetados pela pandemia Sem a estrutura da lona montada, os exercícios são feitos no improviso. Crédito da foto: Guilherme Godinho

Vitória percorre no celular as memórias de poucos meses atrás, quando as apresentações ainda aconteciam. “Eu sinto falta de me apresentar”, ela diz, incapaz de conter as lágrimas. “É do retorno do público que eu mais sinto falta. Dói muito. Nós, do circo, nunca imaginamos que ia acontecer uma coisa dessas com a gente.” Quando as apresentações recomeçarem, seu sonho é participar do “Globo da Morte”, tal qual o pai, os dois irmãos e o marido. “O pessoal vai à loucura com mulheres que rodam no Globo da morte, porque você só vê homem lá”, ela comenta.

A trapezista Isabel Gage Arrighi, outra integrante do mesmo circo, conta que a quarentena interrompeu até a rotina de ensaios. Com a lona desmontada, elas costumam apoiar alguns equipamentos em árvores, para poder praticar e não deixar a arte enferrujar, mas a falta de público acaba causando desânimo. “Quando estamos nos apresentando, tem gente que chora, que agradece, que sai encantada, que vem elogiar. Sempre tem algum retorno, aonde quer que a gente vá, fora as amizades que a gente faz”, ela diz, nostálgica.

“Na internet é completamente diferente”

Atualmente, no mesmo espaço próximo ao Parque das Águas, estão alocados mais dois circos diferentes, além do Globo Max: o Circo Thor e o Circo Miller. Rafael Salem, mágico e palhaço do Circo Miller, entrou para o ramo há 10 anos, quando cursava a faculdade de jornalismo e foi entrevistar artistas circenses. Foi amor à primeira vista: “A gente fala que é a magia do picadeiro. Palhaço, quando pinta a cara, esquece dos problemas, e acho que a mesma coisa acontece com qualquer artista.”

Ele relembra que o Circo Miller estreou em fevereiro na cidade de Sorocaba e que a ideia inicial era prosseguir com as apresentações até o fim de março. A decisão de ficar na cidade foi uma maneira de reduzir os custos de deslocamento. Rafael conta que, como a estrutura já estava montada, eles tentaram fazer transmissões ao vivo pela internet (lives), logo no início da quarentena, criando um grupo fechado para quem já havia comprado ingressos.

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“Mas na internet é completamente diferente”, ele diz. “As luzes, a comédia... Tudo é diferente. Quem assistiu as lives diz que a partir da segunda foi melhor, porque na primeira a gente ainda não tinha ideia. Foi como se tivesse público, mas na realidade não tinha. A partir da segunda, nós mudamos a dinâmica da apresentação, mas, mesmo assim, não é a mesma coisa.” Por não conseguir oferecer ao público a mesma emoção, Rafael conta que eles optaram por interromper as lives.

Como contribuir

Sem perspectivas de retorno, artistas circenses são afetados pela pandemia Famílias estão vivendo em trailers à espera do fim do distanciamento social. Crédito da foto: Guilherme Godinho

Mesmo com os benefícios do Governo Federal e as doações oferecidas por moradores de Sorocaba, manter a estrutura dos circos custa caro e, sem a arrecadação regular, a subsistência das famílias está comprometida. Os artistas estão vendendo biscoitos e outros alimentos em diferentes pontos da cidade: na avenida Ipanema e nos bairros Vitória Régia, Vila Haro e Éden. Todavia, essa é apenas uma ação provisória e a falta de perspectivas de retorno causa preocupação.

Os interessados em contribuir podem fazê-lo por meio da Universidade de Sorocaba (Uniso), que periodicamente realiza campanhas de arrecadação de cestas básicas para fins filantrópicos. Todos os mantimentos arrecadados até o fim de julho serão doados às famílias de artistas circenses afetadas pelo isolamento. As cestas podem ser deixadas diretamente nas portarias de qualquer um dos dois câmpus da instituição: no câmpus Trujilo, na av. Gen. Osório, 35, ou no câmpus Cidade Universitária, na rodovia. Raposo Tavares, km, 92.5, das 8h às 18h. (Giovana Becegato, Nicole Annunciato e Talissa Medeiros - Agência Focs / Jornalismo Uniso)

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